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Apenas as borboletas morrem assim?

Um gostava de passear de bicicleta, o outro a pé. Fora as deambulações, acho que nada liga Cioran a Walser: nem língua, nem cultura, nem itinerários. Nunca me passou pela cabeça aproximá-los.

Foi por isso com verdadeiro espanto que descobri um texto de Cioran —  rapaz, romeno, arrebatado, especialista no problema da morte  — intrinsecamente walseriano. Pelo menos foi assim que o traduzi:


A BELEZA DAS CHAMAS

— O fascínio das chamas subjuga de um jeito estranho, para além da harmonia, proporções e medidas. O seu ímpeto impalpável não simboliza a tragédia e a graça, o desespero e a ingenuidade, a tristeza e a volúpia? Não encontramos, na sua transparência devoradora e na sua imaterialidade ardente, a projecção e a leveza das grandes purificações e dos incêndios interiores? Gostaria de ser levado pela transcendência das chamas, sacudido pela sua respiração delicada e insinuante, flutuar sobre um mar de fogo, consumir-me numa morte de sonho. A beleza das chamas dá a ilusão de uma morte pura e sublime, semelhante a uma aurora. Imaterial, a morte nas chamas evoca asas incandescentes. Apenas as borboletas morrem assim? — E aqueles que morrem nas suas próprias chamas?

Emil Cioran, Nos cumes do desespero, tradução a partir da versão francesa.

Comentários

c disse…
Obrigada, Rui. Estou tão contente com a descoberta e com a tradução que até vou lá abaixo comprar um gelado :)