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Insónia absoluta

Acordo às três ou quatro horas, daí em diante o sono transforma-se em farrapos e voltas na cama. Podia procurar causas normativas, mas na verdade acho que é a influência de Cioran — a palavra estupor brilha como uma bola de espelhos.

Comentários

Raul Padilha disse…
Num estado de suspensão intransponível, Cioran está entre o filósofo e o poeta, nunca conjuga-os mas também jamais resolve a tensão entre os dois. Susan Sontag o crítica timidamente pela tendência ao retorno do já dito. De fato, Nietsche "formulou quase toda a posição de Cioran um século atrás" - ela escreve em 1967 - "Por que uma mente sutil e poderosa consente em dizer aquilo que, em sua maior parte, já fora dito? [...] Cioran inicia um ensaio no ponto onde outro ator o terminaria: começa pela conclusão e prossegue."
Roger Kimball é ainda mais severo ao classificá-lo como um "macaqueador" das ideias de Nietsche, um mero "poseur" que "valora [...] o efeito de seu estilo" em detrimento da "consistência do argumento".
Até George Steiner -- que confessa sua admiração pelo ensaio que Cioran fez sobre Joseph de Maistre (intitulado "ensaio sobre o pensamento reacionário") -- considera que há "em toda lamentação de Cioran uma facilidade sinistra", e continua sua crítica comparando vários aforismos de Cioran de teor sumamente correto, sim... mas já pensados por vários escritores antes dele.
Cioran diz, em "História e Utopia", que as "revoluções só são possíveis por meio dos adjetivos", talvez este seja seu mal! Se acaso tivesse decidido assentar-se como poeta ou romancista poderia ter sido maior, mas enquanto filósofo é minúsculo e mesmo dispensável. O ritmo da sua prosa é de um lirismo insustentável, serve para seduzir e não para provar um argumento ou buscar alguma verdade. Cioran é todo um Fernando Pessoa, excetuando-se, é claro, que este ao menos possui a "desculpa" da licença poética, enquanto E. M. Cioran será sempre condenado justamente por isto.
Obs.: seria bom uma análise comparativa entre Pessoa e Cioran. Suas prosas são incrivelmente assemelhadas, tanto na estrutura (a monotonia dos temas, sempre desencavando sutilezas onde já tudo parecia ter se esgotado) quanto no estilo (no fragmento 113 do livro do desassossego Bernardo Soares se considera um "incompetente para a vida"; Cioran, no Breviário da Decomposição, com as mesmíssimas palavras, irá se avaliar como "Tão incompetente na vida como na morte")
c disse…
Sim, a perspectiva geral é essa e está devidamente argumentada. Mas eu teimo em olhar para Cioran de um jeito um bocado diferente. A ver se me decido a escrever e publicar uma defesa.

Essa ligação a Pessoa (nos “Cadernos” há 3 referências a Pessoa — Cioran era um leitor furioso) é estudada na academia:

https://sigarra.up.pt/flup/pt/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=4817

https://coloquiopessoacioran.wixsite.com/evento/programacao
Raul Padilha disse…
Tem todo meu apoio, mas é preciso fazer com método. Uma vez comecei um livro de um tal conterrâneo teu chamado João Maurício Barreiro Brás que pretendia uma "análise" do pensamento de Cioran, mas só conseguiu produzir uma espécie de paródia da própria prosa de Cioran.
Eu já tinha dado uma olhada nestes encontros, mas, além de já fazerem um bom tempo desde sua realização, também não moro em Portugal e desconheço qualquer texto acerca da comparação entre estes dois autores que eu amo (e justamente por isto tento criticar tanto).
Cioran leu pessoa ....: ×... santo Cristo! Tu bem que poderias traduzir alguma coisinha destas citações dos cadernos aqui no bloguinho, sim? : D fiquei muito curioso.
Meus cumprimentos!