Deitei mão à versão digital dos Cadernos escritos por Emil Cioran entre 1957 e 1972.
As entradas têm uma vitalidade desconcertante.
Tenho tudo de um epiléptico, menos a epilepsia.
Borges escreveu um poema sobre o tango. Como o compreendo. Tenho vontade de exclamar: «Dêem-me um tango por dia!» Trago em mim uma Argentina secreta.
Mais próximo da tragédia grega do que da Bíblia.
Sempre compreendi e senti melhor o Destino que Deus.
Nada do que é russo me é estranho.
“Sou estrangeiro na terra e no céu.” (Lermontov)
Sou filho do tédio russo. Como duvidar das minhas origens eslavas?
Sou um Mongol devastado pela melancolia.
O próprio Deus não saberia pôr fim às minhas contradições.
É estranho que ninguém se tenha apercebido das minhas afinidades com Swift, nem mesmo a influência que ele teve sobre mim.
Introduzi o suspiro na economia do intelecto.
Um tratado de medicina da época de Hipócrates intitulado: “Sobre as Carnes”.
Eis um livro segundo o meu coração, e que eu poderia escrever no tom subjetivo.
Weltlosigkeit — outra palavra segundo o meu coração, intraduzível como todas as palavras estrangeiras que me seduzem e me arrebatam.
Felicidade sem predicado, para falar como nos manuais de Lógica.
Uma tradução é má quando é mais clara, mais inteligível que o original. Isso prova que não soube preservar as ambiguidades, e que o tradutor tomou uma decisão: o que é um crime.
Ouvir Bach nos grandes armazéns enquanto compramos cuecas!
Com Bach, a vida seria suportável mesmo num esgoto.
Até mesmo uma carta, para a escrever corretamente, é necessário estar em estado de graça.
No Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 2 XI 68, um desconhecido, Correia de Sá, acabou de publicar um dos artigos mais importantes que alguma vez escreveram sobre mim. Que seja num jornal de comércio, isso agrada-me.
Sinto-me como aquela empregada que, depois de o ouvir a falar sem freio* durante um jantar em que servia à mesa, diz à patroa: “que homem interessante!”
* Como um histérico, escreve Cioran no dia 6 de setembro de 1965.
As entradas têm uma vitalidade desconcertante.
***
Tenho tudo de um epiléptico, menos a epilepsia.
Borges escreveu um poema sobre o tango. Como o compreendo. Tenho vontade de exclamar: «Dêem-me um tango por dia!» Trago em mim uma Argentina secreta.
Mais próximo da tragédia grega do que da Bíblia.
Sempre compreendi e senti melhor o Destino que Deus.
Nada do que é russo me é estranho.
“Sou estrangeiro na terra e no céu.” (Lermontov)
Sou filho do tédio russo. Como duvidar das minhas origens eslavas?
Sou um Mongol devastado pela melancolia.
O próprio Deus não saberia pôr fim às minhas contradições.
É estranho que ninguém se tenha apercebido das minhas afinidades com Swift, nem mesmo a influência que ele teve sobre mim.
Introduzi o suspiro na economia do intelecto.
Um tratado de medicina da época de Hipócrates intitulado: “Sobre as Carnes”.
Eis um livro segundo o meu coração, e que eu poderia escrever no tom subjetivo.
Weltlosigkeit — outra palavra segundo o meu coração, intraduzível como todas as palavras estrangeiras que me seduzem e me arrebatam.
Felicidade sem predicado, para falar como nos manuais de Lógica.
Uma tradução é má quando é mais clara, mais inteligível que o original. Isso prova que não soube preservar as ambiguidades, e que o tradutor tomou uma decisão: o que é um crime.
Ouvir Bach nos grandes armazéns enquanto compramos cuecas!
Com Bach, a vida seria suportável mesmo num esgoto.
Até mesmo uma carta, para a escrever corretamente, é necessário estar em estado de graça.
No Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 2 XI 68, um desconhecido, Correia de Sá, acabou de publicar um dos artigos mais importantes que alguma vez escreveram sobre mim. Que seja num jornal de comércio, isso agrada-me.
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* Como um histérico, escreve Cioran no dia 6 de setembro de 1965.
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