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Prosa

Todos os poemas que podia ter escrito, que sufoquei dentro de mim por falta de talento ou por amor à prosa, vêm de repente reclamar o seu direito à existência, gritam a sua indignação e submergem-me.

Qualquer laivo de poesia envenena a prosa e torna-a irrespirável.

Houve um tempo em que não passava um só dia sem várias horas de música ou sem ler um poema. Agora, a prosa toma o lugar de tudo. Que diminuição, que decadência!

Divindade da prosa.

Uma prosa esquelética atravessada por um calafrio — nada me é tão aprazível.

O máximo que a prosa pode alcançar é roçar o sublime; se se impregnar dele, torna-se ridícula, empolada, penosa.

É incrível até onde remonta a menor expressão poética na prosa. A poesia é o lado perecível do estilo. Só dura, só permanece viva se for implícita, não evidente, involuntária, secreta e até mesmo imperceptível.

Uma prosa que tem um tom mallarmeano é ilegível — para além de três frases.

Estou a passar por um período em que nem a poesia nem o misticismo me dizem nada. O lirismo, qualquer que seja o disfarce com que se apresenta, provoca-me vómitos. A prosa ácida, corrosiva, só ela me agrada.

Não é pelo conteúdo, é pela forma que uma obra de arte cheira a mofo. Na poesia, o verso melodioso é datado e exaspera; na prosa, tudo o que é muito rebuscado, muito bem escrito. Alguma profundidade no inacabado parece-me a marca essencial do moderno.

Parei algures entre a poesia e a prosa, sem poder escolher uma ou outra; dos poetas, tenho o ritmo, dos prosadores, a insistência. Na verdade, acho que não fui feito para a palavra.

O primeiro dever de um moralista é despoetizar a sua prosa.

Os dois espíritos da Antiguidade que, por razões diferentes, mais amo são Epicuro e Tácito. Não me canso da sabedoria de um e da prosa do outro.

Desde que escrevi o Précis, tive apenas uma ambição: superar o lirismo, evoluir para a prosa...

A prosa de Mallarmé; não conheço nada mais ilegível. Penso em X que o imita, e que também não consigo ler.

Em matéria de prosa, não há nenhuma regra; sim, ser parco em advérbios.

Desde que me entreguei completamente à prosa, já não leio Shakespeare.

O estilo triste— tipo M. Blanchot. Pensamento inatingível, prosa perfeita e insípida.

Fiquei estupefacto ao ver até que ponto me afastei da poesia, do espírito de toda a poesia. Apenas a prosa breve, amarga e rude ainda me prende.

Uma prosa que difere muito da linguagem falada, com o tempo torna-se irritante. Daí o meu afastamento de qualquer prosa poética ou filosófica.
Entre a banalidade e a barroquice sistemática, devemos escolher a banalidade. É mais verdadeira.

Acabo de reler o retrato que fiz de São Paulo em “A Tentação de Existir”. Já não conseguiria escrever com aquele frenesim, estou demasiado cansado para isso. Mantive a minha antiga loucura, mas sem a paixão que a tornava interessante. Sobretudo sem lirismo. A minha loucura atual é a loucura em prosa.


Emil Cioran, Cadernos, 1957-1972

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