Perpétua poesia sem palavras; silêncio que ressoa por baixo de mim mesmo. Porque não tenho o dom do Verbo? Ser estéril com tantas sensações!
Qualquer laivo de poesia envenena a prosa e torna-a irrespirável.
Renunciei, entre outras coisas, à poesia.
Há meses que vivo todos os meus momentos de angústia na companhia de Emily Dickinson.
Sinto que vou reconciliar-me com a poesia. Não podia ser de outra forma: não consigo pensar senão em mim mesmo...
O meu gosto doentio por Tácito, a necessidade que tenho de me alimentar de horrores. Em seguida, a eloquência e a poesia da indignação.
Os Anais e Macbeth, os livros, não, as imagens do meu rame-rame quotidiano.
A poesia propriamente dita parece-me cada vez mais inconcebível; já não posso suportar senão a que é implícita, indirecta, que precisamente não é dita, refiro-me à poesia sem os meios e os subterfúgios que habitualmente usa.
Deus, “o nosso velho vizinho” como lhe chama Emily Dickinson.
Hesito.
Sei de onde vem a minha inaptidão para a sabedoria; é esta vontade de proclamar, estes discursos mudos que faço a multidões imaginárias, estes acessos de megalomania que envenenaram a minha juventude e de que, a cada momento de exaltação ou cansaço, sofro o retorno penoso. Um veleidoso do cepticismo, um mirone da sabedoria. E um frenético que vive na interminável poesia do fracasso.
Yeats — depois de Emily Dickinson, podia acreditar que viria a amar um outro poeta?
Ninguém me lembra Shelley como ele. E pensava eu que o meu entusiasmo pela poesia tinha passado irremediavelmente!
A verdadeira poesia começa para além da poesia; assim é com a filosofia e com tudo mais.
Não devemos assinar o que escrevemos. Quando se procura a verdade, que importa o nome? O que conta, afinal, é a poesia e o pensamento anónimos, as criações do que se chamou de "épocas sinceras", antes da literatura.
Apesar de ter nascido nos Cárpatos, sufoco nas montanhas. Na infância, percebia o seu encanto. Agora só sou sensível à poesia da planície.
O vento que substitui tão vantajosamente a música e a poesia — surpreende-me que nas regiões onde ele sopra se procure um outro modo de expressão.
Um céu azul, que a cidade não merece. Procissão imunda de viaturas ao longo do Boulevard Saint-Germain. A multidão não menos imunda. No meio deste espectáculo, as folhas que caem das árvores trazem uma nota de poesia imerecida, inactual, perturbadora. Não mais que o céu, a cidade não merecia o outono.
É incrível a que ponto me afastei de Rilke! Há nele um abuso do tom poético que é verdadeiramente intolerável. Não compreendo o meu antigo arrebatamento. Sem dúvida mudei com o tempo. Em Rilke há pieguice (alguns sonetos e as elegias excluídas)— lamento dizê-lo. O que nele parecia representar a própria poesia, eis que agora soa vazio. Mais um adeus.
Há uma poesia francesa, mas não há nada de poético na vida francesa (à excepção da Bretanha antes do turismo).
Só conheço duas definições de poesia: a dos antigos Mexicanos: “O vento que vem dos deuses”...
e a de Emily Dickinson (onde ela diz que reconhece a verdadeira poesia quando é tomada por um frio tão glacial que nada poderá jamais aquecê-la (Encontrar a passagem.)
Vi há pouco, no camião das Éditions du Seuil, escrito em letras muito grandes: Todo Baudelaire num volume.
Se Baudelaire tivesse previsto tal horror, o que ele sentia pelo mundo moderno teria degenerado em fúria convulsiva.
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Emil Cioran, Cadernos 1957-1972.
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