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O ódio tocou à campainha

O ódio tocou à campainha e nós abrimos a porta. Não precisou de esperar muito. Nós ouvimos bem. Temos uns ouvidos sensíveis. Bastou tocar uma vez. Estávamos à sua espera. Há muito que o esperávamos. Há mais de quarenta anos. Há séculos e séculos. Estamos sempre à sua espera. Nós gostamos do ódio. Gostamos que se sente à nossa mesa, que beba um cafézinho, um digestivo. Ou, se preferir, uma cervejinha e um pratinho de tremoços. Gostamos muito de o ouvir falar. Se não fosse o ódio, quem teria «a coragem de dizer as verdades»? O ódio «não tem medo das palavras». O ódio «fala claro para as pessoas lá em casa compreenderem». O ódio é «justo», o ódio é «bom». Foi ao ódio que «Deus atribuiu a missão de mudar Portugal». O ódio vai salvar-nos. Se não odiarmos, o que nos resta? Odiar-nos a nós mesmos?

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