Continuo a pensar n’Os Irmãos Karamázov. O livro de Dostoiévski deixa várias inquietações que não consigo ultrapassar.
Logo no início, o narrador explica que a personagem principal do livro é Aleksei. Paradoxalmente esta elucidação cria uma dúvida: porque é que ele tem de o dizer, não devia ser evidente ao longo da leitura do romance?
Se o narrador toma essa precaução é porque receia que Ivan Fiódorovitch se transforme na personagem mais importante. O episódio do Grande Inquisidor (onde Ivan cria um espaço autónomo de narração dentro do livro), as ideias e gestos radicais, o desvario mental e as febres são provas inequívocas. Além disso, Ivan é uma personagem compósita: tem o diabo como emanação (as febres e alucinações) e Smerdiakov como duplo ou, melhor dizendo, excrescência.
E esta é a inquietação mais grave. Esse tal Smerdiakov — criatura repelente em extremo — mostra-nos como os pensamentos podem apodrecer. A sua maneira de ser rancorosa, a forma rebuscada de se exprimir, as suas palavras torcidas — tudo nele é repulsivo. À sombra do seu nome (cuja raiz é o verbo смердеть que significa feder), Smerdiakov desenvolve-se como um tratado do mal dissimulado. Um retrato extremamente potente da humanidade.
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