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Le mauvais démiurge — variações


(…) Decidi começar pelo início, que é um princípio tão bom como outro qualquer, e elegi como vítima da primeira tradução da minha vida Précis de décomposition, o livro com que Cioran iniciou a sua carreira de escritor em França. Os títulos de Cioran sempre me deram dores de cabeça e nesse caso resolvi traduzi-lo como Breviario de podredumbre (Breviário de Podridão): assim evitava o som excessivamente intestinal de descomposición em castelhano e, em troca, aproveitava a blasfémia insolentemente eclesiástica de breviario... 
Depois, encorajado pelo surpreendente eco público dessa primeira tradução (que culminou quando um empregado do bar da faculdade de filosofia me perguntou se pensava traduzir outro livro de Cioran, anedota que encantou o autor), dediquei-me ao que tinha sido o meu primeiro contacto com a sua obra: Le mauvais demiurgue. Mauvais? Após dar muitas voltas, optei por convertê-lo em aciago (aziago).
Cioran, que lê e compreende muito bem espanhol, não ficou lá muito convencido. Não será uma palavra demasiado rebuscada, demasiado culta? Para esclarecer as dúvidas, perguntou a uma bonne espanhola que morava no mesmo prédio: usaria ela alguma vez a palavra aciago? Claro que sim, meu senhor, replicou a criada: para dizer, por exemplo, un día aciago. Cioran escreveu-me de imediato para dar o aval à tradução. (...) 

Fernando Savater, Ensaio sobre Cioran

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Ando há muito tempo a tentar traduzir o título “Le mauvais démiurge”. 
Já traduzi mauvais por: “mau ou malvado” (ao pé da letra, que é onde tudo começa, e também por causa da “má reputação”);  “terrível” (como o Ivan do filme soviético); “aziago” (por causa do amor de Savater); “funesto” (sob influência italiana). Nunca fiquei satisfeita. Agora acrescentei à lista “danado”, mas o assunto ainda não está encerrado. Esta entrada nos Cadernos abre novas possibilidades:
Não acho, como Marcion, que o demiurgo fosse mau, acho que era incompetente.

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