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Arranhar a ferida

Fernando Savater: Qual foi a sua formação filosófica, quais são os filósofos que mais o interessaram?


Emil Cioran: Bem, na minha juventude li muito Lev Chestov, que era então muito conhecido na Roménia. Mas quem me interessou mais, quem mais amei — é essa a palavra —, foi Georg Simmel. Sei que Simmel é bastante conhecido em Espanha, graças ao interesse que Ortega lhe dedicou, enquanto é completamente ignorado em França. Simmel era um escritor maravilhoso, um filósofo ensaísta magnífico. Era amigo íntimo de Lukács e Bloch, que influenciou e que mais tarde o renegaram, o que acho absolutamente desonesto. Hoje, Simmel foi completamente esquecido na Alemanha e até silenciado mas, no seu tempo, era admirado por figuras como Thomas Mann e Rilke. Simmel também era um pensador fragmentário. O melhor do seu trabalho são os fragmentos. Também fui muito influenciado por pensadores alemães daquilo que se chama a "filosofia da vida" como Dilthey etc. Claro, também li muito Kierkegaard nessa época, quando ele ainda não estava na moda. De uma maneira geral, o que sempre me interessou mais é a filosofia-confessional. Tanto na filosofia como na literatura, são os casos que me interessam, os autores dos quais podemos dizer que são um "caso" no sentido quase clínico do termo. Interessam-me todos aqueles que caminham para a catástrofe, e igualmente aqueles que conseguiram ir além da catástrofe. A minha maior admiração é para aqueles que se encontram sobre o ponto de colapso. Foi por isso que gostei de Nietzsche ou Otto Weininger. Ou ainda os autores russos como Rozanov, escritores religiosos que arranham constantemente a ferida, tipo Dostoiévski. Os autores que não eram mais do que uma experiência intelectual, como Husserl, não me marcaram. De Heidegger interessa-me o lado kierkegaardiano, não o lado husserliano. Mas, acima de tudo, procuro o caso: na reflexão, na literatura, o meu interesse vai sobretudo para o frágil, o precário, o que desmorona, e também para o que resiste à tentação do colapso, mas guarda a constância da ameaça…


Entrevistas com Emil Cioran, Arcades, 1995.

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