Por que inventámos Deus, anjos, etc. ? Para ter com quem falar.
(“De agora em diante não falarás mais com homens, mas com os anjos”, disse Jesus (?) a Santa Teresa.) Num certo grau de solidão ou intensidade, há cada vez menos pessoas com quem podemos conversar; acabamos até por constatar que já não temos semelhantes. Chegados a este extremo, voltamo-nos para os nossos dissemelhantes (?), para os anjos, para Deus. É, portanto, por falta de interlocutor (!) cá em baixo que procuramos um outro algures O sentido profundo da oração é este: a impossibilidade de falarmos com quem quer que seja aqui, não por vivermos num nível espiritual elevado, mas por um sentimento de abandono ...
Já no caso dos santos e místicos, não se trata de abandono, mas de estado limite, de isolamento pela impossibilidade de dialogar mais com o próximo.
Não haveria absoluto se o homem pudesse suportar um grau extremo de solidão. Não se trata da solidão do abandono; pelo contrário, pode haver, nesta extremidade, uma plenitude na solidão; mas essa mesma plenitude é insuportável, porque é grande demais para um eu: o êxtase cria Deus quase automaticamente; se assim não fosse matá-lo-ia, por ser demasiado cheio, demasiado vasto para um só. Tem que haver uma maiúscula, seja Deus, seja o Vazio — pessoa suprema ou impessoalidade suprema — toda a maiúscula surge de um paroxismo.
Emil Cioran, Cadernos 1957-1972
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