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Canal Horeca

Paris: insectos comprimidos numa caixa. Ser um insecto célebre. Toda a glória é risível; aquele que a ela aspira deve realmente ter gosto pela decadência. 

Foi a tentação da glória que arruinou o paraíso. Sempre que queremos sair do anonimato, esse símbolo da felicidade, cedemos às sugestões da serpente. 

Nada pode estragar completamente alguém, excepto o sucesso. A “glória” é a pior forma de maldição que pode cair sobre um ser. 

A glória cai sobre um autor no momento em que ele já não tem mais nada a dizer; consagra um cadáver. 

A necessidade de glória vem de um sentimento de total insegurança que experimentamos em relação ao nosso próprio valor, de uma falta de confiança em nós mesmos. E quando hesito em reconhecer-me o menor mérito, desejo uma celebridade cósmica, e gostaria de ser conhecido por tudo o que vive, por um mosquito, por uma larva. 

Falar sem ironia dos seus sucessos é sinal de grande indelicadeza (é ainda mais indelicado do que falar das suas riquezas, porque a riqueza é um facto, a fama uma opinião, um juízo de valor). 

Emil Cioran, Cadernos 1957-1972


Cioran escreveu muito sobre a fama e o seu pináculo, a glória. Em Paris, para mais nos anos anos sessenta, era um tema inevitável. Estas anotações acintosas (há muitos mais exemplos nos Cadernos) estão um bocado desajustadas da nossa realidade provinciana. Aqui, a fama — como tudo o resto — é coisa pequena; começa quando somos convidados para comer à pala, depois segue o circuito do canal Horeca. (Por exemplo:) Se não me ponho a pau, ainda me levam numa comitiva ao Brasil (e logo agora que já só digo trivialidades sobre cinema e não viajo).

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