Nos Cadernos, há duas anotações sobre o livro de Foucault escritas em abril de 1967. São críticas irascíveis, como é hábito, mas também se podem qualificar de divinatórias de circunstância:
No livro de Foucault As palavras e as Coisas, que não tenho vontade nenhuma de ler, encontrei uma frase em que ele põe Hölderlin, Nietzsche e Heidegger ao mesmo nível . Só um universitário podia cometer tamanho erro de lesa-génio. Heidegger, um professor ao lado de Nietzsche e Hölderlin! — Isto faz-me lembrar aquele crítico que se permitiu escrever: «de Leopardi a Sartre» — como se de um ao outro pudesse haver a menor filiação. Um poeta, um espírito supremamente verdadeiro de um lado, um intrujão talentoso, mas intrujão, do outro.
Esse tipo de comparações, esta confusão de valores põe-me fora de mim.
No livro de Foucault é frequente a referência à «finitude antropológica». Imagino o efeito que fórmulas destas podem ter sobre os jovens. É evidente, isso parece mais inteligente do que «a miséria do homem», «o homem como animal condenado» ou «a duração ínfima» da história humana.
De todas as imposturas, a pior é a da linguagem, porque é a menos perceptível para os imbecis do nosso tempo. É preciso dizer que Heidegger abriu o caminho, e se um filósofo quiser experimentar o ostracismo, se quiser experimentar a referida «finitude» na sua carreira, basta rejeitar o jargão e usar a linguagem corrente, sensata. O vazio será feito automaticamente em seu redor.
Emil Cioran, Cadernos 1957-1972
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