Assim como alguns se lembram de forma precisa da data do seu primeiro ataque de asma, eu posso indicar o momento do meu primeiro acesso de tédio aos cinco anos. Mas para quê? Sempre me entediei muito. Lembro-me de certas tardes em Sibiu; quando estava sozinho em casa, atirava-me para o chão sob o efeito de um vazio intolerável. Era adolescente, o que quer dizer que vivia mais intensamente os humores negros que por vezes enlutavam a minha infância feliz. Terrível tédio generalizado, em Berlim, em Dresden sobretudo, depois em Paris, sem esquecer o meu ano em Brasov quando escrevi Lacrimi si Sfinti — Jenny Acterian disse-me que era o livro mais triste já escrito.
Neva. Penso naquele inverno (1937?) quando escrevia Lacrimi si Sfinti em Brasov — bem no alto da colina (Livada Postii) de onde tinha vista para as montanhas. Que solidão! Foi o ponto culminante da minha carreira de aborto elegíaco.
De novo esta vontade de chorar que experimentei em Brasov, quando escrevia Lacrimi si Sfinti em 1937(?).
Ontem à noite disse a Sanda Stolojan, que me falava da negação, das minhas negações, que não se deve impressionar com as palavras, que uma negação apaixonada é uma afirmação e que no fundo tudo é uma afirmação.
O diabo afirma, ele afirma contra Deus. Uma negação pura e total seria a que não se definisse contra coisa nenhuma. Mas não há negação por si. Assim, é correcto dizer que negar é afirmar ao contrário. A negação é uma afirmação às avessas. É por isso que aquele que nega não é forçosamente um desesperado; pode muito bem viver como os outros.
Cometi a estupidez de aceitar que se reedite Lacrimi si Sfinti em Paris. Neste momento estou a corrigir as provas. Que suplício! Está mal escrito (é transilvano, não romeno) e é longínquo. De que perturbação interior saíram estas divagações! Vejo-me, em Brasov, nessa casa empoleirada na colina, vejo-me mergulhado na vida dos santos! Esta parte da minha vida que estava apagada da minha memória, revive agora; de modo que esta prova (é caso para o dizer) não terá sido de todo inútil.
Ao corrigir as provas da reedição de Lacrimi si Sfinti, passo a cada página da admiração ao desprezo. Que tipo! Vejo-me em Brasov, nessa vila no topo da colina, Livada Postii, a escrever insanidades sobre Deus, sobre os santos e sobre mim mesmo. E lembro-me das canções de partir o coração das sopeiras húngaras. Aliás, não as esqueci no livro.
Também o culto de Rilke, que na época colocava acima de todos os poetas. Ficamos datados menos pelas nossas aversões do que pelos nossos entusiasmos. Quase todos os poetas que citei perderam a «posição» que tinham na época. Devemo-nos referir apenas a Deus. Mas até ele é datado.
Estou prestes a concluir a revisão de Lacrimi si Sfinti. A última parte é melhor que a primeira. Mas fico perturbado com tanta tristeza, ferocidade, desespero. Como pude ter sofrido tanto? Quando penso que escrevi este livro há trinta e cinco anos e desde então continuo a suportar sofrimentos morais e físicos tão grandes, experimento em relação a mim mesmo um sentimento onde entra tudo o que quisermos, da piedade ao orgulho.
(Também digo a mim mesmo, tolamente, que se tivesse escrito esta obra numa língua conhecida, ela não teria passado despercebida. Mas já chega de falar nisso.)
É um livro terrível. Numa carta, Jenny Acterian disse-me que não existe no mundo outro mais terrível. Tinha razão. Aliás, ela foi a única que não o denegriu.
Estou «transtornado» por estas Lacrimi si Sfinti, pela solidão que delas emerge. Por pouco desatava a chorar.
(Não foi o livro que me transtornou, mas as recordações que despertou em mim. A certa altura, fala-se do abeto que ficava em frente da casa onde morava na encosta de Livada Postii. De repente, a imagem deste abeto, do qual tinha perdido completamente a memória, apareceu-me com uma clareza extraordinária. São estes detalhes que nos comovem e que desencadeiam emoções, e não frases mais ou menos sonantes.)
Emil Cioran, Cadernos 1957-1972
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«Estou espantado com a persistência dos meus defeitos. Queixo-me de ser impedido de trabalhar por visitas indesejadas. É verdade. Mas ainda é mais verdade que me impeço de cumprir o meu dever, que tenho jeito para desperdiçar o meu tempo. Esta tarde, quando nada me obrigava a sair, passei duas horas na biblioteca do 6.º arrondissement a folhear estupidamente livros mais ou menos interessantes. Não é bem assim; vi fotos da Grécia, das ilhas gregas — pela primeira vez na minha vida. Tudo o que adoro encontra-se ali. Nasceu uma nova paixão. Desde que haja ciprestes em algum lugar, não peço mais nada, dou-me por satisfeito com este mundo. Foi o preconceito romeno contra os gregos que fez com que nunca quissesse ir ao seu país. Tudo isso é estúpido, monstruosamente estúpido.»
Dois dos meus ciprestes já ultrapassam os cinco metros. Acho que estão a crescer cerca de um metro por ano. Segundo li, podem ultrapassar os vinte metros. As folhas, embora não pareça, são suaves e macias ao toque. Também li que algumas variedades podem viver mais de um milénio. Uma eternidade, portanto.