Os carros nos filmes iranianos.
São prisões. Mas prisões em movimento.
A paisagem a deslizar, do outro lado da janela, é a parte do filme que não é inteiramente acessível e que é preciso imaginar. Tal como um preso imagina o que se passa do outro lado da cela.
O personagem pode parar, sair do carro e caminhar um pouco pelo mundo. Mas não por muito tempo. É uma breve saída condicional. O personagem já não sabe onde pôr os pés. Há mil armadilhas.
Um dedo invisível aponta-lhe rapidamente o caminho de volta. Resta-lhe entrar no carro e arrancar.
O interior do carro é como o interior do crânio. É aí que tudo se passa: todas as manifestações da vida, especialmente o medo, o terror, e o seu fruto mais cruel e maduro, a paranóia.
Comentários
Nos filmes iranianos que já vi, o carro parece-me um meio de libertação. Um espaço que não é controlado — pelo estado, pela igreja, etc.
(Se ainda não viste, não percas os do Kiarostami no Trindade principalmente "Onde fica a casa do meu amigo?")
Num outro filme recente, "III Guerra Mundial", de Houman Seyyedi, há também uma cena impressionante de uma daquelas casas pré-fabricadas, que é transportada num grande camião. Um plano aberto exterior mostra a casa em movimento na estrada. Depois a câmara passa para o interior da casa em movimento, onde segue o personagem principal. O plano mostra o tipo a olhar para a paisagem lá fora.
Já vi esse Kiarostami, mas em casa. Vou tentar ver no Trindade, sim. Não vou de carro, vou a pé...
Nem movimento, nem saída — é o desespero puro.
Ontem lembrei-me dele; achei o final do "Ursos não há" parecido com o final do filme japonês do Kiarostami.