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Cântico (remix)

O dia a dia transformou-se na catástrofe única. O anjo já não precisa de olhar para o passado; basta o tempo presente, feito de ruínas instantâneas, para lhe dar aquele ar atónito de olhos esbugalhados, boca escancarada e asas abertas — a nossa figura. Depois do cântico, a extinção.

Comentários

Anónimo disse…
mas sabes, olhar para o passado não é olhar para alguma direção ou para algum lugar, é olhar de uma certa forma: que é como olha o anjo.
Ele olha para o presente e por toda parte vê o passado; é isso que é terrível; ver o passado, por toda parte
Mas sim, o tempo presente é como um soco (ou como queiras), ruínas instantâneas...
c disse…
Pois, olhar de certa forma — talvez seja assim como dizes, um tipo atormentado.

Sempre o vi como um ser exterior e até um bocado distante (como o próprio Benjamin). Fiquei admirada quando percebi, pela descrição física, que somos nós. Mais profecia do que alegoria. Estamos tramados.
Anónimo disse…
Tens razão. Somos nós. E eu diria ainda que sempre fomos nós. É desde o paraíso que sopra o vendaval. Talvez no centro de todo mito esteja essa mesma experiência que WB atribui ao anjo; o ser humano tendo sempre sofrido com o sentimento paralisante do irrecuperável
(Mas agora, é verdade, abandonados que estamos, sentimos que já nada nos pode salvar, nem ritual nem revolução, e isso certamente contribui para a quantidade de boca e olhos que abrimos