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A dúvida como mecanismo de condução

Estabelecer uma relação entre Alicia e Cioran é uma ideia estúpida, mas bastante divertida. Acabei por descobrir (na verdade foi Alicia que descobriu) que a família dos Western (da parte da mãe) era originária da Roménia e, durante um certo tempo, Alicia teve o devaneio de fugir para lá (como se a Roménia fosse a floresta por excelência) com o irmão para viver um amor fora da lei. Claro que isso vale vários pontos na minha investigação falhada, mais até do que o suicídio que é penalizado por ser demasiado óbvio. Depois há muitas coisas que Alicia diz ao psiquiatra e ao Puto — mas não tirei notas, por isso fico-me por esta citação, já d’ O Passageiro (página 319), que podia ser um recadinho amoroso para o filósofo. E já chega disto.

«(...) A ideia está sempre a lutar contra a própria concretização. As ideias surgem dotadas de um cepticismo inato, não aparecem e levam tudo à frente. E estas dúvidas têm a sua origem no mesmo mundo que gerou a própria ideia. E isto é uma coisa a que, na verdade, não temos acesso. Portanto, as reservas a que nós próprios, no nosso mundo de luta constante, damos voz podem na verdade ser estranhas à senda destas estruturas emergentes. As suas próprias dúvidas intrínsecas são mecanismo de condução, ao passo que as nossas se assemelham mais a travões. É claro que a ideia, no fim de contas, acaba por chegar ao seu fim. Quando uma conjectura matemática é formalizada numa teoria, talvez adquira um certo brilho, mas, com raras excepções, deixamos de poder alimentar a ilusão de que ilumina de modo relevante o âmago da realidade. Na verdade, começou a assemelhar-se a uma ferramenta.»

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