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A escada

24 juin 
Variations Goldberg
… Après ça, il faut tirer l’échelle. 


Emil Cioran, Cadernos 1957-1972 




A expressão francesa significa que se atingiu o máximo, não se consegue fazer melhor. Podemos meter o dicionário no bolso e ir por aí com segurança: «… Depois disto, não se fará melhor».

Ou então, realçar uma certa renúncia que está implícita (e é bem cara a Cioran) e contrapor, com alguma malícia, uma expressão do tipo: «… Depois disto, mais vale arrumar as botas». 

Mas, na verdade, continuo a pensar na escada e também (e acima de tudo) no gesto de a deitar fora (com extrema secura): «... Depois disto, deitar fora a escada».

Comentários

Anónimo disse…
Deitar fora os andaimes?
c disse…
Sim :)


(«Andaime» é uma palavra muito bonita.)
jose disse…
Cioran é um caso à parte.Pouco li,evito,quero evitar meter-me.
Goldberg o topo,talvez.Mas deitar a recicladora o Requiem incompleto?A Missa Solene? O Cravo bem Temperado? O Anel? O Tristão e Isolda?As Sonatas e Quartetos do surdo? Não me ocorreu ainda.Vou subindo e descendo a escada,até ao
fim. Não consigo estar parado. O Paraíso,chatice.
Mas considero todas as opiniões no "tríptico do mundo".
c disse…
Não é para se levar completamente à letra. Ele também escreve:


27 de maio de 1961
O Requiem de Mozart. Paira sobre ele um sopro do além. Como acreditar, depois de uma audição destas, que o universo não tenha nenhum sentido? Tem de ter. O coração, assim como o entendimento, recusa-se a admitir que tanto sublime se dissolva no nada.
Tem de existir qualquer coisa em alguma parte, um pouco de realidade deve estar contido neste mundo. A embriaguez do possível que redime a vida. Temamos a recaída e o retorno do conhecimento amargo.

Maio de 1966
Mozart e o Japão são os sucessos mais requintados da Criação.


Aliás, há várias anotações sobre Mozart. E também sobre canções tristes espanholas, húngaras, argentinas ou até mesmo esta:
«Hoje estive a meditar em Gita, e esta noite procurei um café que tivesse uma jukebox, para ouvir a canção da moda de que, tenho que admitir, gosto tanto: «Those were the days» de Mary Hopkins.»
jose disse…
Ainda bem.
Não conhecia.
A anotação de 27 de Maio sou tentado a reenviá-la para o comentário poético de Sena à Missa Solene de Beethoven,começando em: Não é solene esta música ao contrário do nome e da intenção.Vem em Arte de Música.
Quem compôs o citado Requiem não aloja as dúvidas ou os anseios anotados.Estes pertencem,suponho,à Missa Solene se aderirmos à interpretação de Sena.
A música diversa beliscando as nossas cordas não se esgota num falso eruditismo.
Acontece-me com o Povo que lavas no rio pela Amália,a certas horas.E ainda me não filtrei do Zé Afonso,numa adesão descabelada.
Entendamo-nos,isto não é Arimética,uma lei física.É matéria instável,volúvel,
pessoalíssima e por vezes intransmissíval.