Num certo sentido, A Imagem Fantasma* é um livro difícil de ler, quer dizer, afecta-nos de um jeito avassalador logo a partir do primeiro texto. Pensamos que um tipo a escrever sobre fotografia vai focar-se em questões estéticas mais ou menos abstratas e isso é bom para repousar a vista e pensamentos mais intermitentes. Pois, talvez seja, mas não é o caso de Hervé Guibert; ele escreve com outra coisa mais dura para além ou antes das palavras, e expõe-se tanto que entra por nós a dentro, e já não há nada a fazer.
Por exemplo, Os Óculos de Ler o Pensamento é um parágrafo de nove linhas sobre uma invenção que encontrou na Bibi Fricotin que o atraia e lhe metia medo ao mesmo tempo e faz uma passagem, que é um corte seco, para a fotografia — e é só. Pois sim, mas a partir daí sabemos que a fotografia é uma actividade arriscada. Nunca vi essas revistas de banda desenhada, no entanto quando era muito pequena (creio que ainda nem sabia ler) também tinha medo de uma máquina de ler os pensamentos que talvez tenha descoberto nos desenhos animados da televisão. Entretanto perdi o medo, esqueci-me de tudo, agora esta revelação assusta-me de outro modo: que pensamentos é que podia ter nessa altura para temer o tal aparelho? E porque é que Guibert me leva até essa zona sombria da infância? E como? Em nove linhas?
O segundo texto dá título ao livro e é extremamente perigoso — devia ter um aviso qualquer na margem. A estrutura é simples: Guibert tenta fotografar a mãe antes dela envelhecer, quando ainda tem aquela estranha capacidade das mães para manterem durante muitos anos uma idade incerta. Vinha a ler o texto no metro e quando dei por mim já estava a engolir em seco e tinha os olhos molhados e não conseguia virar as páginas; fiquei empancada e desassossegada — senti aquele punho no estômago. Em tudo, a película branca é o oposto da película preta de Chris Marker. Meti o livro no saco e pensei ninguém sabe que levo aqui uma bomba.
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