No livro sobre John Ford, Paulino Viota elogiou os textos de Javier Marías sobre o realizador americano. Como estou sempre na disposição de me desviar do caminho traçado, fui procurá-los.
O que Marías escreveu sobre o olhar de John Wayne depois de beijar Maureen O’Hara no cemitério é formidável (El reino de la posibilidad, El País Semanal, 16 de março de 2014). Eles estão encharcados pela chuva e colados um ao outro e apaixonados, sim; mas há qualquer coisa de grave no olhar de Wayne — como se tivesse encontrado e perdido uma coisa nesse preciso instante —, qualquer coisa que é quase uma tristeza (uma tristeza doce, diria Walser).
Através desse olhar, percebemos o sentido total da palavra paixão.
Como nos filmes Passion, de Godard.
Ou como em Onde Jaz o teu Sorriso?, quando Danièle (que é uma verdadeira mulher de Ford) diz:
— Sicilia!... se nos apaixonámos e nos apeteceu fazer o filme foi porque, em 1972, quando andávamos por Itália, à procura de lugares para filmar Moisés e Aarão, que rodámos em 1974, fizemos 30 000 quilómetros a passo de caracol e, um dia, em cima de uma ponte, dissemos um para o outro: «que cheiro tão estranho, não é desagradável, mas é muito intenso, que será?»
E vimos quintais de laranjas despejadas num rio.
Isso ficou-nos cá dentro e quando lemos o início de Conversazione in Sicilia, veio-nos à ideia, como uma recordação muito forte.
Dito isto, como é que um homem e uma mulher fazem para aguentar... é a palavra certa — AGUENTAR — juntos?
Também tem a ver com as laranjas no rio...
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