Há salas de cinemas de subúrbio vazias como hangares e belas como cais de sonhos. São as que prefiro. Os grandes estabelecimentos das avenidas, com as suas poltronas de veludo vermelho e arquitetura de ópera cómica, onde a talha dourada se derrama sobre as cariátides melosas, são feios e antipáticos. Apesar da obscuridade dissimular esses horrores teatrais, os filmes mais belos perdem aí a selvajaria. Para que serve, então, o luxo desses salões, que só valem pelas trevas?
Pelo contrário, as salas pobres, essas cuja pintura descasca um pouco e dissimulam a lepra sob os belos cartazes de filmes, possuem uma verdadeira atmosfera de emoção e aventuras.
Lembro-me daquela sala em Levallois, já desaparecida, onde vi O Clube dos Valetes de Copas e Fantomas. Era tão grande e tão vazia que os gritos do público ecoavam como num vale. E lá ao fundo, uma orquestra esforçava-se em ruídos discordantes, como a orquestra de um navio a afundar-se, cujos músicos, por uma tradição que nunca se extinguiu desde a tragédia do Titanic, não param de tocar a última valsa.
Tudo era submarino, vago, irreal.
Uma outra no Boulevard Saint-Denis, uma das mais antigas, parece um quarto de hotel numa terra onde só se passa uma noite, um desses quartos de hotel, que só vemos à luz pálida de uma luz eléctrica demasiado fraca ou, de manhã, na madrugada fria que escorre pelas frinchas das cortinas, entre os ecos dos eléctricos que passam a uivar e o som dos tamancos de um camponês na calçada sonora.
Conheço ainda uma velha sala em Montmartre que Guillaume Apollinaire frequentava. Está mobilada como uma estufa. Grandes vigas de ferro atravessam o tecto e finas colunas de ferro fundido suportam o balcão. As cadeiras de vime rangem quando nos sentamos e duas portas misteriosas enquadram a tela.
É aí que gosto de ver filmes, é aí que eles surgem no seu maravilhoso esplendor, enquanto as salas luxuosas são espaços enormes e aborrecidos onde os filmes não passam de uma atração pobre e deslocada.
Robert Desnos, “Os Raios e as Sombras”, Le Soir, 15/06/1928.
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