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Dos jornais XXIII

«Ontem de manhã, dia de eleições, fui repescar uma grandiosa frase de Salgueiro Maia que devia estar escrita na pedra. Numa altura em que, no País, se questionava se o povo tinha instrução e capacidade de fazer as suas escolhas nas primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, o Capitão de Abril veio, numa rara entrevista em 1974, simultaneamente afastar partidarismos e resumir ao que vinha. “Não há limites para as possibilidades de opção, e se o povo quiser ir para o inferno, é para o inferno que iremos”, disse ao Expresso. (...)»

Comentários

c disse…
Três anos antes de O Camião.

A minha tradução ganhou outra influência.
c disse…
M. P.: Na projecção desta noite, o aspecto político do filme impressionou-me muito, esta visão completamente desesperada.

M. D.: Desesperada e alegre.

M. P.: No filme você diz: «Que o mundo vá para o inferno, é a única política.»

M. D.: Mas ela vive isso com alegria pois vive a inventar soluções pessoais para o intolerável do mundo, por exemplo o facto de pedir boleia todas as noites inventando a sua vida.
Anónimo disse…
Curioso, jamais traduziria “que le monde aille à sa perte c’est la seule politique” assim… A mim não me parece que Duras (ou a mulher d’O camião) quisesse mandar o mundo para o inferno… a expectativa dela era que o desastre fosse de tal ordem que todos partissem do zero, que houvesse uma espécie de igualdade exemplar na miséria, como quem diz: “que o mundo se desmorone é a única política possível”.
m.
c disse…
A tradução desta frase é controversa. Há muitas versões.

Alguns exemplos:
As legendas do filme que passou na Cinemateca: «Que o mundo cave a sua sepultura».
A tradução brasileira (de José Sans): «Que o mundo se arruíne, é a única política».
Tradução de Miguel Bonneville: «Que o mundo caia em perdição».
Também encontrei esta versão: «Que o mundo caminhe a perder-se é a única política possível».
E de certeza que há outras, já escritas ou possíveis.

Procurei uma frase que fosse como um movimento de esgrima, uma estocada. Algo que pudesse ser dito em voz alta ou pintado numa parede.

O ano passado escrevi uma pequena nota sobre esta frase aqui: https://bicho-ruim-blog.blogspot.com/2024/01/que-o-mundo-va-para-o-inferno.html

De facto, usei um verso da canção de Roberto Carlos. Achei que tinha o ritmo e a intenção. Quando li esta resposta do Salgueiro Maia, fiquei satisfeita porque é o mesmo pensamento radical e traduzia não só a frase do filme/livro, mas também a nossa realidade. Já estamos no inferno.

Quando estamos a traduzir temos de encontrar ligações e fazer muitas escolhas, é uma espécie de jogo. Na minha versão (como na canção de Roberto Carlos ou na resposta do Salgueiro Maia), «inferno» não é o inferno da religião, é uma situação limite, é um dilúvio, mas não é o fim dos fins.

Mas concordo com o reparo, a frase em português é forte, mas a tradução é frágil.