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Galochas e buraquinhos nas luvas (breve estudo de literatura comparada)

Por razões de trabalho, o Rui anda a ler Robert Walser de uma ponta à outra. No sentido inverso, isto é, para festejar o fim do trabalho assalariado, resolvi atirar-me de novo a John Fante.  Quando o li pela primeira vez, achei que tinha semelhanças com Walser (quem? Fante ou Bandini?), mas nunca estudei o assunto – nem sempre se deve aprofundar as nossas intuições, pois claro! Agora as relações surgem por iniciativa própria: os objectos mais banais ganham vida própria, movimento, diminutivos; a alegria alastra como uma névoa. (Ah, deve ser o efeito da praia atlântica, da areia, do vento, da liberdade.)

Provas materiais:

«Rosa, a presidente da Sociedade do Santo Nome, a menina dos olhos de toda a gente, cada vez mais próxima, caminhando sobre as pequenas galochas que pareciam dançar de alegria, como se a amassem também.»

«Num dos bolsos laterais encontrou um par de pequenas luvas. Estavam bastante gastas, com buracos na ponta do dedos.
Oh, que lindos buraquinhos. Beijou-os com ternura. Os queridos buraquinhos dos dedos. Os doces buraquinhos. Não chorem, queridos buraquinhos, têm de ser corajosos e de lhe aquecer os dedos, os lindos dedinhos dela.»

A Primavera há-de chegar, Bandini. John Fante. Tradução de Rui Pires Cabral. Edições Ahab. Outubro de 2010.

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