Noutro dia voltei a ver, passados muitos anos, La Vallée fantôme, de Alain Tanner. Para mim, trata-se de um cineasta excepcional, pois é dos poucos que se manteve obstinadamente fiel ao legado de André Bazín, à valorização do plano como unidade espácio-temporal com valor próprio, como um «pedaço de vida», um momento que será inserido no decorrer do filme, mas que existe por si mesmo e não deve ser sacrificado a essa integração. Eu diria que se trata de uma noção de «plano» oposta à de Bresson, que afirmava que um plano não tem de significar nada por si mesmo, porque só assim estará em condições de encaixar no conjunto.
O protagonista de La Vallée fantôme (Jean-Louis Trintignant) é um cineasta que se desfez de um argumento em que estava a trabalhar há quatro meses. Quando a mulher aborda o assunto, ele responde que não era mau, era «uma história com princípio, meio (milieu) e fim», mas estava morto, era uma das milhares de histórias que há por aí. «Para que servem?». Ela responde que os homens contam histórias uns aos outros desde a Idade da Pedra, deve haver uma razão. Ele conclui: «Claro. O sentido das coisas e da vida cristaliza-se nas histórias. É para isso que servem. Mas agora tenho a impressão de que se passa tudo ao contrário. As histórias devoram o significado, expulsam-no como uma hemorragia. Quando vês um filme na TV, tens a sensação física de que o mundo se esvazia de sentido. Como se puxasses o autoclismo.»
Há, pois, cineastas que se questionaram se as histórias poderosas que nos deslumbram no cinema nos aproximam ou afastam da nossa experiência real. Creio que, para que o cinema seja um espelho da realidade, são necessários filmes com histórias fortes, mas também filmes sem histórias. Ambos podem «ressoar» em nós, e é isso que importa. A debilidade dos argumentos do cinema de Ford é uma característica, um traço de personalidade que, curiosamente, o aproxima, dentro do cinema clássico, desse cinema sem argumento (Antonioni, Fellini, Godard, Tanner, Wenders) que pertence mais ao âmbito do cinema «moderno».
Simetrias — os 5 actos nos filmes de John Ford, de Paulino Viota.
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