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Weininger


Carta para Jacques Le Rider 

Paris, 16 de Dezembro de 1982 

Ao ler o seu livro sobre o meu antigo e distante ídolo, não pude deixar de pensar no acontecimento que foi para mim a leitura de Geschlecht und Charakter. Estávamos em 1928, eu tinha dezassete anos e, ávido de todas as formas de excesso e heresia, gostava de tirar as últimas consequências de uma ideia, levar o rigor até à aberração, até à provocação, conferir ao furor a dignidade de um sistema. Por outras palavras, apaixonava-me por tudo, excepto pela nuance. O que me fascinava em Weininger era o exagero vertiginoso, o infinito na negação, a recusa de bom senso, a intransigência mortal, a busca de uma posição absoluta, a mania de levar um raciocínio até ao ponto onde ele se destrói a si mesmo e arruína o edifício de que faz parte. Acrescente-se a isso a obsessão pelo criminoso e pelo epiléptico (especialmente em Über die letzten Dinge), o culto da fórmula genial e da excomunhão arbitrária, a assimilação da mulher ao Nada e até mesmo a algo ainda menor. Aderi de imediato e por completo a essa afirmação devastadora. O objectivo da minha carta é dar-lhe a conhecer a circunstância que me levou a abraçar essas teses extremas sobre o dito Nada. Foi uma circunstância do mais banal possível; não obstante, ditou o meu comportamento durante vários anos. Eu ainda andava no liceu, meio apanhado pela filosofia e por uma… também ela liceal. Detalhe importante: não a conhecia pessoalmente, embora fizesse parte do mesmo meio que eu (a burguesia de Sibiu, na Transilvânia). Como costuma acontecer com os adolescentes, eu era ao mesmo tempo insolente e tímido, mas a minha timidez sobrepunha-se à insolência. Esse suplício, que durou mais de um ano, acabaria por culminar um dia em que, encostado a uma árvore, estava a ler já nem sei que livro no principal parque da cidade. De repente, ouvi umas risadas. Ao virar-me, quem é que eu vi? Ela, acompanhada por um dos meus colegas de turma, desprezado por todos e a quem chamávamos o piolho. Passados mais de cinquenta anos, ainda me recordo perfeitamente do que senti nessa altura. Não vou entrar em pormenores. Seja como for, naquele preciso instante, jurei acabar de vez com os «sentimentos». E foi assim que me tornei um frequentador assíduo de bordéis. Um ano depois dessa desilusão radical e corriqueira descobri Weininger. Encontrava-me na situação ideal para o compreender. As suas soberbas alarvidades sobre as mulheres inebriavam-me. Não parava de me repetir: como pude apaixonar-me por um ser inferior? Porquê este tormento, este calvário por causa de uma ficção, de um zero em pessoa? Um predestinado chegara enfim para me libertar. Mas a libertação acabaria por me lançar numa superstição que ele desaprovava, pois desviei-me para essa «Romantik der Prostitution», incompreensível para os espíritos sérios e que é uma especialidade do leste e sudeste da Europa. De qualquer forma, a minha vida de estudante decorreu sob o encanto da Puta, à sombra da sua decadência protectora e calorosa, até mesmo maternal. Ao fornecer-me razões filosóficas para execrar a mulher «honesta», Weininger curou-me do «amor» durante o período mais orgulhoso e frenético que já vivi. Naquela altura, não podia imaginar que um dia os seus requisitórios e veredictos não me serviriam senão para, de vez em quando, me fazer sentir saudades do louco que tinha sido.

Exercícios de Admiração – Ensaios e Retratos, de Emil Cioran, Gallimard, 1986.

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