A memória é uma substância inteiramente maleável. Qualquer coisa elástica, que pode ser mudada, manipulada, apagada, reconstruída, uma e outra vez, vezes sem conta, até ao limite do inumano. Nos primeiros planos de The First Shot, de Federico Francioni e Yan Cheng, a câmara concentra-se nos movimentos de uma máquina de demolição, empenhada em desmantelar um bairro de casas de tijolo, em Pequim. A facilidade com que derruba paredes, telhados, casas inteiras onde viveram sucessivas gerações, é a mesma com que apagamos certos elementos da nossa memória. As antigas casas de tijolo desaparecem para dar lugar a arranha-céus. Depois da demolição, há velhos que revolvem silenciosamente os escombros em busca de tijolos que possam ser reutilizados. Uma espécie de melancólica arqueologia, que só pode ser desempenhada por velhos, os únicos que conhecem o valor daqueles tijolos e a maneira minuciosa como se combinam para erguer uma casa. Os velhos respigadores transformam-se assim nos guardiõ
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral