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341 - O peso mais pesado

E se, um dia ou uma noite, um demónio se viesse introduzir na tua suprema solidão e te dissesse: «Esta existência, tal como a levas e a levaste até aqui, vai-te ser necessário recomeçá-la sem cessar; sem nada de novo; muito pelo contrário! A menor dor, o menor prazer, o menor pensamento, o menor suspiro, tudo o que pertence à vida voltará ainda a repetir-se, tudo o que nela há de indizivelmente grande e de indizivelmente pequeno, tudo voltará a acontecer, e voltará a verificar-se na mesma ordem, segundo a mesma impiedosa sucessão... esta aranha também voltará a aparecer, este lugar entre as árvores, e este instante, e eu também! A eterna ampulheta da vida será invertida sem descanso, e tu com ela, ínfima poeira das poeiras!...» Não te lançarias por terra, rangendo os dentes e amaldiçoando esse demónio? A menos que já tenhas vivido um instante prodigioso em que lhe responderias: «Tu és um deus: nunca ouvi palavras tão divinas!»
Se este pensamento te dominasse, talvez te transformasse e talvez te aniquilasse; havias de te perguntar a propósito de tudo: «Queres isto? E quere-lo outra vez? Uma vez? Sempre? Até ao infinito?» E esta questão pesaria sobre ti como um peso decisivo e terrível! Ou então, ah!, como será necessário que te ames a ti próprio e que ames a vida para nunca mais desejar outra coisa além dessa suprema confirmação!

Nietzsche, A Gaia Ciência. Tradução de Alfredo Margarido.

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