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Haverá outro tema?

No fabuloso texto de Edward Bond, Using Lulu, dedicado ao teatro de Frank Wedekind, e publicado no Manual de Leitura de Lulu, há digressões que podem ser lidas como comentários a Provisional Figures. De resto, são infindáveis as ligações que se podem estabelecer entre as duas peças. O tema é exactamente o mesmo. Haverá, na verdade, outro tema?

O capitalismo – o Dinheiro Total – subordina tudo às necessidades do mercado. Isto transforma de forma profunda a sociedade. Na verdade, a sociedade ocidental é a primeira que não cria uma cultura – ela é apenas um sistema. Não vivemos para criar uma cultura – existimos para manter um sistema. E, ao mantê-lo, não promovemos a humanização, como sucederia caso criássemos uma cultura. O capitalismo desumaniza-nos, não porque não seja suscetível de persuasão moral, mas por razões de ordem estrutural. Ao dinheiro dá-se precedência sobre outros elementos da sociedade, e assim damos novos sentidos a nós mesmos e à sociedade. (...) Para se autopreservar, o Dinheiro Total metamorfoseia a alma humana: todas as partes da alma se transformam em peças do sistema. 
(...)
Vemos a “cultura capitalista” ocidental a destruir outras culturas. E a destruí-las do mesmo modo que as formas mais simples de vida aniquilam as formas superiores. As formas mais simples criam menos vínculos. As culturas usam energia para humanizar os seus membros. Dada a incapacidade de criar vínculos, um sistema não humaniza os seus membros, o que torna o seu impacto tão impiedoso. Mas, uma vez que roubamos os artefactos e costumes das culturas que destruímos – e comercializamo-los sob a forma de produtos e “estilos de vida” –, podemos fingir por um tempo que somos culturalmente fortes. Na verdade, somos apenas um sistema, e consumimos cada vez mais para satisfazer os caprichos do dinheiro e saciar o apetite das nossas máquinas. 

Edward Bond, Usar Lulu. Tradução de João Luís Pereira.

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