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Disrup·ti·vo 

É o ataque mais constante do nosso tempo mas, porque a perda que provoca é uma perda de possibilidades e não de objectos, deixa a maior das pessoas indiferente. O ataque à linguagem não é uma acção concertada, nem sequer é uno, são diversos assaltos e têm objectivos diferentes; quando se juntam, resultam numa força destruidora colossal.

Já estamos para lá dos eufemismos, essa suavidade falsa que tomou conta da linguagem cortando as arestas dos nossos pensamentos e gestos. Os trabalhadores transformados em colaboradores e de uma forma geral a economia embrulhada em gaze para melhor nos escapar. Para além dessas palavras tão difundidas, tão gastas que já não dizem nada, é só um bocejo. "Zona de conforto" para aqui, "zona de conforto" para acolá, mas que raio é que isso quer dizer? Porque é que repetem esta ladainha? Lembram-se do incêndio do Funchal e dos que se seguiram no continente? Foram todos “dantescos” — toda gente o disse e repetiu até à exaustão. Até que "dantesco" perdeu a genica, porque a repetição amortece as palavras, e não ficou mais nada.

Agora usa-se a torto e a direito, principalmente nas empresas e nos cenários culturais, o adjectivo "disruptivo". Ao princípio pensei que não sabiam o significado da palavra (acontece muito) mas depois percebi que também é uma estratégia, querem uma "disrupção" ausente de si própria, sem rasgo, sem destruição — uma disrupção de faz de conta, uma merda de disrupção. É como se obrigassem a palavra a tomar uma data de comprimidos para dormir e o resultado é um adjectivo esgazeado sem força para mover um grão de areia. Mereciam que lhes aparecesse à frente um homem calado e lhes encostasse uma navalha à garganta.

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