Se de repente um actor decidisse, tal como o Helmer de Robert Walser, mudar o texto ou a cena de uma peça, isso seria o fim do teatro. No teatro, há um plano, um guião, um cenário há muito desenhado. O teatro é o contrário da vida. Não há nada de rotineiro na vida, nada de previsível no rame-rame do quotidiano. Num segundo, tudo pode mudar. A morte espreita a cada passo. No teatro, pelo contrário, sabemos quem morre e quem vive. «A Ifigénia tem de morrer todas as noites.» Um actor não tem o direito de mudar o que está escrito. Na peça de Tiago Rodrigues, o momento em que o ponto tenta mudar o curso de uma história, soprando ao actor palavras que não estão no texto, é exactamente o momento em que o teatro se confunde com a vida. É o momento mais belo e mais perigoso da peça. O momento em que o teatro abandona o palco e irrompe, como uma rajada de vento, pela nossa rotina dentro. Já não é teatro, mas outra coisa mais forte. Um acontecimento sobrenatural e contrário às leis da Natureza. Um milagre.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral
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