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Como contar, outra vez, uma história de judeus em fuga?
Christian Petzold escolheu um modo arriscado de responder a uma pergunta difícil. Ao transpor a deriva de Georg para o nosso tempo, sem roupa da época, sem símbolos nazis, sem qualquer artifício, “Em Trânsito” adquire uma força potencial — como se fosse filmado sobre um vulcão adormecido. A perseguição não é sequer um facto que podia ter acontecido aos nossos avós ou aos nossos pais; a distância foi suprimida — estamos dentro da fuga, da incompreensão, da vergonha, da infâmia, da burocracia, do desespero. Somos obrigados a pensar o que se passa sem os rodeios da História, de uma forma mais crua, talvez, e também mais sensível.

O que acontece, outra vez, ao amor num sistema opressor?
Cada uma das personagens tem a sua história para contar e, dadas as circunstâncias, precisa de o fazer o mais depressa possível. O filme vai guardando esses relatos que se assemelham a gritos surdos. Melissa, Driss, o maestro, a arquitecta, o médico, Georg, Marie. Todos têm uma perspectiva, portas e mais portas que abrem e fecham, abandonam e são abandonados. Numa situação de perigo os gestos devem ser rápidos, mas há qualquer coisa que contraria essa urgência: Georg. Ele não sabe bem o que fazer, vai numa direcção e depois noutra, repete-se, duvida, contradiz-se. A sua errância é o que há de mais verdadeiro. Ao cortar o filme depois de um plano de Georg sentado no café, alheio à ansiedade do narrador, livre na sua espera, Petzold evidencia que muitas vezes a força vem do que não se mostra, do que não se vê. Ah, a coragem de imaginar. É aí que temos de chegar.

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