François Bondy: Como é que conseguiu este apartamento no sexto andar, com esta vista magnífica sobre os telhados do Quartier Latin?
Emil Cioran: Graças ao snobismo literário. Já há muito tempo que estava farto do meu quarto de hotel na rua Racine e pedi a uma agente imobiliária que me procurasse qualquer coisa, mas ela não me mostrou nada. Então enviei-lhe um livro que acabara de publicar, com uma dedicatória. Dois dias depois trouxe-me aqui, onde a renda — acredite ou não — é de cerca de cem francos, o que corresponde aos meus meios de subsistência. Com as dedicatórias de autor é assim. A sessão de autógrafos na Gallimard, sempre que um livro é publicado, é uma coisa que me aborrece e uma vez esqueci-me de assinar metade dos livros. Nunca tive tantas críticas más. É um rito e uma obrigação. Nem Beckett pode escapar a isso. Joyce nunca o conseguiu entender. Disseram-lhe que em Paris um crítico espera sempre uma carta de agradecimento do autor quando diz bem dele. Uma vez ele concordou em enviar um cartão de visita com cumprimentos a um crítico que tinha publicado um estudo importante sobre ele. Mas o outro achou isso demasiado lacónico e nunca mais escreveu sobre Joyce.
(...)
François Bondy: É espantoso: os seus escritos são profundamente pessimistas, mas o estilo é alegre, alerta e de um humor cáustico. Também na conversa, as suas ideias assustam mas o tom é espiritual, revigorante. Como é que explica este contraste?
Emil Cioran: Deve ter sido uma coisa herdada dos meus pais que tinham temperamentos completamente opostos. Nunca pude escrever a não ser na tristeza das noites de insónia, e durante sete anos mal consegui dormir. Creio que reconhecemos em cada escritor se os pensamentos que o ocupam são pensamentos do dia ou da noite. Preciso dessa tristeza e ainda agora, antes de escrever, ponho um disco de música cigana húngara. Por outro lado, eu tinha uma forte vitalidade que mantive e que viro contra si mesma. Não se trata de estar mais ou menos abatido, é preciso ser melancólico até ao excesso, extremamente triste. É então que se produz uma reação biológica saudável. Entre o horror e o êxtase, pratico uma tristeza activa. Durante muito tempo, achei Kafka demasiado deprimente.
(...)
François Bondy: Como é que ganha a sua vida?
Emil Cioran: Aos quarenta anos ainda estava matriculado na Sorbonne, comia na cantina dos estudantes e esperava que isso durasse até ao fim dos meus dias. Entretanto saiu uma lei que proibiu matrículas depois dos 27 anos e me expulsou desse paraíso. Quando cheguei a Paris, comprometi-me com o Instituto Francês a escrever uma tese e até já tinha apresentado o tema — qualquer coisa sobre a ética de Nietzsche —, mas não fazia tenção de a escrever. Em vez disso percorri França inteira de bicicleta. Acabaram por me deixar ficar com a bolsa porque perceberam que meter as pernas ao caminho não deixava de ter o seu mérito. Mas leio muito e, acima de tudo, releio constantemente. Li Dostoiévski cinco ou seis vezes. Não devemos escrever sobre o que não lemos. Em França há também o ritual do livro anual. É preciso publicar um livro todos os anos, senão “somos esquecidos”. É o acto de presença obrigatória. Basta contar. Se o autor tem oitenta anos, sabemos que publicou sessenta livros. Que sorte tiveram Marco Aurélio e o autor d’ Imitação por precisarem de apenas um!
Entrevistas com Emil Cioran, Arcades, 1995.
Emil Cioran: Graças ao snobismo literário. Já há muito tempo que estava farto do meu quarto de hotel na rua Racine e pedi a uma agente imobiliária que me procurasse qualquer coisa, mas ela não me mostrou nada. Então enviei-lhe um livro que acabara de publicar, com uma dedicatória. Dois dias depois trouxe-me aqui, onde a renda — acredite ou não — é de cerca de cem francos, o que corresponde aos meus meios de subsistência. Com as dedicatórias de autor é assim. A sessão de autógrafos na Gallimard, sempre que um livro é publicado, é uma coisa que me aborrece e uma vez esqueci-me de assinar metade dos livros. Nunca tive tantas críticas más. É um rito e uma obrigação. Nem Beckett pode escapar a isso. Joyce nunca o conseguiu entender. Disseram-lhe que em Paris um crítico espera sempre uma carta de agradecimento do autor quando diz bem dele. Uma vez ele concordou em enviar um cartão de visita com cumprimentos a um crítico que tinha publicado um estudo importante sobre ele. Mas o outro achou isso demasiado lacónico e nunca mais escreveu sobre Joyce.
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François Bondy: É espantoso: os seus escritos são profundamente pessimistas, mas o estilo é alegre, alerta e de um humor cáustico. Também na conversa, as suas ideias assustam mas o tom é espiritual, revigorante. Como é que explica este contraste?
Emil Cioran: Deve ter sido uma coisa herdada dos meus pais que tinham temperamentos completamente opostos. Nunca pude escrever a não ser na tristeza das noites de insónia, e durante sete anos mal consegui dormir. Creio que reconhecemos em cada escritor se os pensamentos que o ocupam são pensamentos do dia ou da noite. Preciso dessa tristeza e ainda agora, antes de escrever, ponho um disco de música cigana húngara. Por outro lado, eu tinha uma forte vitalidade que mantive e que viro contra si mesma. Não se trata de estar mais ou menos abatido, é preciso ser melancólico até ao excesso, extremamente triste. É então que se produz uma reação biológica saudável. Entre o horror e o êxtase, pratico uma tristeza activa. Durante muito tempo, achei Kafka demasiado deprimente.
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François Bondy: Como é que ganha a sua vida?
Emil Cioran: Aos quarenta anos ainda estava matriculado na Sorbonne, comia na cantina dos estudantes e esperava que isso durasse até ao fim dos meus dias. Entretanto saiu uma lei que proibiu matrículas depois dos 27 anos e me expulsou desse paraíso. Quando cheguei a Paris, comprometi-me com o Instituto Francês a escrever uma tese e até já tinha apresentado o tema — qualquer coisa sobre a ética de Nietzsche —, mas não fazia tenção de a escrever. Em vez disso percorri França inteira de bicicleta. Acabaram por me deixar ficar com a bolsa porque perceberam que meter as pernas ao caminho não deixava de ter o seu mérito. Mas leio muito e, acima de tudo, releio constantemente. Li Dostoiévski cinco ou seis vezes. Não devemos escrever sobre o que não lemos. Em França há também o ritual do livro anual. É preciso publicar um livro todos os anos, senão “somos esquecidos”. É o acto de presença obrigatória. Basta contar. Se o autor tem oitenta anos, sabemos que publicou sessenta livros. Que sorte tiveram Marco Aurélio e o autor d’ Imitação por precisarem de apenas um!
Entrevistas com Emil Cioran, Arcades, 1995.
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