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O Idiota — primeira parte

O romance começa dentro de uma carruagem de terceira classe do comboio Varsóvia-Petersburgo. O príncipe Míchkin regressa da Suíça, onde durante quatro anos tentaram tratar a sua doença nervosa do género da epilepsia. Parfion Rogójin vem de Pskov, da casa da tia onde se curou das terçãs. Convalescentes, os dois.

Um comboio é um bom princípio; já está tudo em movimento — a caminho de Petersburgo e das desgraças.

Ainda não sabemos, nem os leitores nem as personagens, mas o príncipe Míchkin e Parfion Rogójin têm a mesma missão: receber uma herança e resgatar a concubina Nastássia Filíppovna. Os dois rapazes (vinte e seis, vinte e sete anos) são duplos opostos; cada um avança numa direcção diferente do tabuleiro.

O casamento com Rogójin a troco de cem mil rublos é a perdição certa de Nastássia. Mais, é a perdição dentro da perdição, se assim se pode dizer. Um fim perfeito e coerente. Atrai Nastássia para o abismo da inevitabilidade. (Talvez os russos tenham um provérbio para dizer “o que tem de ser tem muita força, tem uma força enorme”.)

Indiferente às convenções sociais, o príncipe Míchkin acredita (é o seu verbo preferido) que pode salvar a desafortunada Nástassia não só do futuro, mas também do passado; não só do mundo, mas também de si própria. O príncipe pensa que pode desfazer o destino traçado, virar as coisas do avesso — é essa a sua mania, em tudo superior à doença.

Os capítulos desenrolam pouco a pouco a trama de pecados e ambições da comunidade que os rodeia até chegarmos ao aniversário de Nastássia. É uma festa muito peculiar, o narrador consegue a proeza de meter imensa gente dentro da sala de estar de um apartamento não muito grande. Nastássia, para não ficar atrás, desempenha um número selvagem com feras e fogo terminando em fuga com o rapaz mais soturno. Para já, ganham as peças pretas.

Isto sim, é literatura de acção. E ainda não chegaram os niilistas.

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