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Uma cena de luta de mulheres na lama

Conforme previsto, o sarau de apresentação do príncipe à alta sociedade, em casa dos Epantchin, correu muito mal. O príncipe exaltou-se ao falar sobre religião — o tema, por excelência, supremo—, partiu o vaso chinês, caíu redondo no chão. Pouco apto para marido de Aglaia ou o que quer que seja, depreenderam os ilustres convidados.

Mas o golpe final vem mais tarde, quando Aglaia, fazendo-se acompanhar pelo príncipe, decide visitar Nastássia para acerto de contas. Parece uma cena de luta de mulheres na lama: Aglaia e Nastássia ao centro, copo a corpo; o príncipe e Rogójin na retaguarda, nervosos e inseguros.

Aglaia levantou ativamente a cabeça.
— Tenha tento na língua, não foi com essa arma que vim lutar consigo...
— Aah! Porque afinal de contas, veio cá para “lutar”? Imagine, pensei que a menina era mais espiritual...


Aglaia ataca Nastássia pela forma como ela que se colou ao príncipe para logo o largar pelo ricaço Rogójin, a sua mania em chafurdar na desonra como um anjo que não pára de cair, a soberba e a beleza em extremo — de tudo isso a acusa. Mas Aglaia é uma menina de bem que leu muito mas pouco sabe das agruras da vida e as suas críticas são um bocado enfadonhas. Com agilidade, Nastássia derruba todo esse discurso intelectual. Vence-a na questão social com uma frase espantosa:

— O que sabe da minha situação para atrever-se a julgar-me? — estremeceu Nastássia Filíppovna, ficando terrivelmente pálida.
— Só sei que não foi trabalhar, preferiu o ricaço Rogójin para fazer figura de anjo caído. Não me admira que Tótski tenha querido matar-se a tiro por causa do anjo caído!
— Deixe-se disso — replicou Nastássia Filíppovna com repugnância, como a tentar ultrapassar a dor que a atingira. — Compreende tão bem a minha situação como... uma criada de quarto de Dária Alekséevna que há pouco pôs um processo no tribunal de paz contra o próprio noivo. Essa talvez seja capaz de compreender melhor do que a menina...
— Pelos vistos é uma rapariga honesta e vive do seu trabalho. Por que tem tanto desprezo pelas criadas de quarto?
— Não desprezo o trabalho, desprezo uma pessoa como a menina a falar de trabalho.


Dá-lhe também uma alfinetada feminina, para lembrar os leitores que sim, isto é uma luta de mulheres na lama:

— Talvez, talvez eu não seja digna dele, só que a menina mentiu, acho eu! Ele não me pode odiar, nem podia ter dito uma coisa dessas! De resto, estou pronta a perdoar-lhe... tendo em conta a sua situação... Em qualquer caso, fazia de si outra coisa, pensava que era mais inteligente, e até mais bonita, palavra de honra!


E termina com palavras descontroladas, puxando de novo o príncipe como uma marioneta para o seu colo e pondo Aglaia na rua. Neste ponto já sabemos que vai haver mortos.

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