Na outra noite, no teatro, o chefe da claque devia ter adormecido. (A ópera, bonita mas não popular, favorecia o sono e tornava difícil a dosagem dos «muito bem» e dos «bravo».) Só assim consigo explicar que uma ária do baixo, com duas estrofes em pendant, tenha sido interrompida por intempestivos aplausos no fim da primeira estrofe, quer dizer, num ponto em que nenhuma cláusula sonora, nenhum efeito de voz, podia justificar os imprevistos aplausos. O que é que acontecera? O chefe da claque, acordando, tinha dado o seu sinal antes do tempo: foi tudo. Houve pedidos de silêncio e a ária recomeçou; mas agora o jogo já estava descoberto e quando o efeito se apresentou e o baixo se resolveu a descer à «cave», o aplauso cansado que partiu de um lugar já topograficamente suspeito não convenceu ninguém.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral
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