25 de março (1967)
Véspera de Páscoa. Paris esvazia-se. Este silêncio tão inabitual como em pleno verão. Que felizes devem ter sido as pessoas antes da era industrial! Oh, nada disso. Ignoravam completamente a sua felicidade, como nós ignoramos a nossa. Bastar-nos-ia imaginar o ano 2000 em detalhe para ter, por contraste, a sensação de estar ainda no Paraíso.
(Abril de 1964)
Fui à estação de Montparnasse esperar S. Fim das férias da Páscoa. Uma multidão considerável, como no tempo das revoluções ou doutros grandes infortúnios colectivos. Fechei os olhos, mergulhado na repugnância e no delírio. Esta multidão hedionda tem o dom de me pôr fora de mim — num sentido ao mesmo tempo odioso e poético. Sair deste mundo, é a isso que ela convida e constrange. O afastamento no meio da turba — um arroubo místico quando tudo fervilha em nosso redor.
Emil Cioran, Cadernos 1957-1972
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