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A Ilha dos Amores

Hoje, no Público, Augusto M. Seabra escreve: É imperioso e de absoluta urgência ir ver em sala A Ilha dos Amores porque só o ecrã grande permite apreender a imensidão do filme. O DVD e as plataformas ficam para as revisões. 


Falámos disto em Coimbra. É o tema cinéfilo por excelência. Creio, aliás, que a influência grega de filos começa aí: a afeição precisa de contacto corpo a corpo, tensão física, um vínculo sensorial que só se concretiza plenamente numa sala escura e com uma tela grande. Este era o meu primeiro — deveria, talvez, dizer antigo? — raciocínio. 

Na contramão, Osvaldo Silvestre referiu e defendeu o exemplo do aluno de Armamar que se relaciona com o cinema noutra escala, que nunca viu um filme projectado numa sala dedicada à função. Na altura, e apesar de à partida e em todos os cenários aceitar qualquer tipo de relação, reduzi-a a uma actividade intelectual de olhos, ouvidos e cérebro, logo empobrecedora. Porém, aos poucos começo a dar-me conta que pode ser ainda: uma forma de admiração mais clandestina, uma resistência e desafio ao que não existe nem em Armamar nem em tantos outros sítios, também uma obstinação. Tudo gestos de louvar.

Acabei por me obrigar a analisar o meu próprio caso desviante. Por diversos motivos, nos últimos anos tenho andado muito arredada das salas de projecção, no entanto mantenho ainda uma relação profunda com o cinema. Como? Por um lado, parece-me que o afecto transformou-se em amor platónico (de carácter meramente espiritual, hélas). Por outro, encontro a matéria do cinema em escala real em qualquer sítio: nas ruas da cidade e dos subúrbios, no metro e autocarros, à mesa do café, na praia, e até em minha casa — uma espécie de cinéma verité em que me enredo com uma certa alegria e mistério como num filme de Rivette.

Quanto à escuridão da sala, passou direitinha para dentro da minha cabeça — ajuda a pensar.



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