É mais ou menos a meio do filme. O stalker, o professor e o escritor estão no coração da Zona e a poucos metros do edifício em cujo interior se encontra o «quarto», esse local secreto onde os desejos mais íntimos podem milagrosamente realizar-se. O stalker explica que para lá chegarem não podem optar pelo caminho mais curto e seguirem em linha recta até ao edifício. Pelo contrário, têm que escolher o itinerário mais longo, andando às voltas, como num labirinto. O professor, homem da razão, da técnica e da ciência, aceita e respeita o absurdo da regra do stalker. O escritor, homem da ficção e da fantasia, recusa. É uma rasteira simples, mas espantosa de Tarkovsky.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral
Comentários
O "labirinto em linha recta" é uma boa definição daquilo que se passa dentro da cabeça do escritor nessa cena.
Conseguir subverter papéis ou ideias não é para toda a gente. A sua “suspeita” é bem fundada.
Pedro Costa [sobre o quarto de Vanda]: Há uma frase linda de Borges: um labirinto pode não ser curvo ou em espiral, o verdadeiro labirinto é em linha recta. O que Vanda e essas pessoas fazem com os dias é um pouco esse caminho num labirinto em linha recta. E o filme tinha que ter esse traço, essa linha recta.
(...) Mas o tempo fora dos gonzos manifesta a inversão da relação movimento-tempo. Agora é o movimento que se subordina ao tempo. Tudo se altera, mesmo no movimento. Muda-se de labirinto. O labirinto deixa de ser um círculo, ou uma espiral que lhe traduz as complicações, e passa a ser um fio, uma linha recta, tanto mais misteriosa quanto ela é simples, inexorável: como diz Borges. «o labirinto que é formado por uma linha recta, indivisível, incessante». (...) Gilles Deleuze, "O mistério de Ariana" (Sobre quatro fórmulas poéticas que poderiam resumir a filosofia kantiana), tradução de Edmundo Cordeiro, colecção Passagens, Vega
rui