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A trombeta de Gabriel

Num dos textos que escreveu para o Curso de Crítica de Cinema do Batalha, Inês Sapeta Dias fala de programação como se fosse (também) um tipo de montagem que manobra, não ao nível dos planos e das sequências, mas na justaposição de filmes — uma espécie de movimento macroscópico.

Apesar de exterior, trata-se de um gesto extremamente poderoso que qualquer um (?) pode fazer desde que se afaste um pouco (quem explica bem este grau de medida incerto-mas-importantíssimo é Agamben). Mesmo quando se trata de uma carta aberta para enquadramento das suas próprias obras, os cineastas agem como alguém que vê de fora, como um programador que acredita que é possível estabelecer diálogo entre trabalhos diversos e que esse diálogo pode alterar o modo como daí para a frente passamos a ver esses filmes e que isso também é cinema.

Inês refere que passou a pensar nos filmes de Jean-Claude Rousseau de outra forma depois de os ter visto ao lado d' O Anjo Exterminador: apesar de nos darmos conta do quarto nos filmes do Rousseau não nos damos propriamente conta de que ele esteja fechado – ou eu pelo menos não pensei nisso até os ter visto com o filme do Buñuel. Acho que foi só aí, no momento dessa articulação, que me dei conta que os quartos do Rosseau estavam fechados. Isso aconteceu por causa de um movimento inesperado e paradoxal: vi o fechamento porque ele desapareceu. Ver o filme do Buñuel no meio dos filmes do Rousseau fez explodir os quartos fechados.

O grande teórico desta actividade mais ou menos bastarda é Jean-Luc Godard e talvez tudo que se faça agora não seja senão uma pequena sombra das História(s) do Cinema. Mas, justamente, não é de sombra que precisamos para começarmos a pensar? E seguir ora a lei da boa vizinhança de Aby Warburg, ora o vento e o acaso que nos levam para longe.



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