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Um dia isto vai ser importante


Descobri que o Luís de Trás-os-Montes (que tem mais ou menos a minha idade) dá aulas na escola do quarteirão onde vivo. Se calhar já nos cruzamos na rua, no multibanco ou no Lidl. Diz ele:

— O António era de um carinho, de uma simpatia transbordantes. E a Margarida também. Eu tinha perdido a mãe há meses e tivemos uma relação muito especial. Eu estava sempre abraçado a ela, de mão dada, ela oferecia-me imensas coisas. O António era mais reflexivo, falava só quando tinha alguma coisa importante para dizer. A Margarida era mais espontânea, mais rápida. Mas as coisas que o António dizia ficavam sempre na nossa cabeça. Funcionavam muito bem os dois. Nas refeições, eu sentava-me à beira deles, começavam a falar de Proust e acabavam em Stockhausen. O António dizia: "Presta atenção, porque agora não vais perceber nada, mas um dia isto vai ser importante." Às vezes eu apontava. Depois chegava a casa e perguntava: "Quem é este, e aquele?" Falavam, falavam, a Margarida escrevia e o António fumava imenso. Dava duas passas e apagava logo, mas fumava dois ou três maços.


Reportagem: Das aldeias de Bragança a um atelier no Porto (Alexandra Lucas Coelho / Público)

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