À primeira vista, traduzir não tem nada a ver com representação teatral. A tradutora está metida no seu quarto, sozinha, horas a fio, enquanto a actriz se move em cima de um palco iluminado a falar para o público.
Mas depois de contornarmos essas pequenas evidências, podemos muito bem afastarmo-nos a correr, movidas por ideias caprichosas, e então começamos a perceber que traduzir e representar podem ser — são mesmo — movimentos afins.
Afinal, a tradutora não está fechada num quarto, já saiu pela janela e vai para todo o lado atrás das ideias e das palavras impressas. Interpreta o texto e o autor; ensaia os seus gestos até o movimento sair automaticamente, sem pensamentos analíticos — até as palavras e as frases encontrarem um ritmo instintivo: uma coisa nova. E agora é como se estivesse em cima de um palco iluminado com uma luz escura a representar para uma audiência de espectros. É mais ou menos o que fazem Bulle e Pascale em A Ponte do Norte.
Comentários
Abusei um bocadinho do teu texto, quer dizer peguei naquela frase e desviei-a, mas foi para chegar a ideias que me passaste sobre tradução e que são importantes.
Entretanto, o livro da Deborah já chegou. O título em português é muito bonito (mais do que o inglês), a preposição dá-lhe uma certa melancolia.