(...) Contactos é outra coisa, é o que na altura se chamava cinema de vanguarda, uma verdadeira experiência. Podemos considerá-lo próximo desse movimento, pois é um artefacto de reflexão cinematográfica; reflexão sobre o espaço e o tempo em oposição ao que se fazia no cinema que conseguíamos ver. Quando filmámos Contactos, em 1970, o cinema tinha uns setenta anos e já desenvolvera técnicas prodigiosas para contar histórias e utilizar o espaço e o tempo em função dos interesses dessas histórias (os tempos devem ser abreviados, os espaços trabalhados de determinada maneira, prescinde-se de todos os momentos que não têm interesse…). Contactos foi feito contra tudo isso. Uns anos depois, li um texto de Eisenstein em que ele dizia que, embora o sistema fosse outro, A Greve (Stachka, Sergei M. Eisenstein, 1925) tinha sido feito totalmente do contra. Então, de forma modesta, fizemos o mesmo em Contactos; quer dizer, tudo o que não se podia fazer, tudo o que era proibido, nós fizemos (prolongar uma cena durante muito tempo sem que se passe nada, usar um só espaço e não trabalhar a divisão do espaço…): foi uma espécie de regresso a um primitivismo, falso porque o cinema primitivo tentou sempre ser o mais expressivo possível. Podemos dizer (agora que tanto se fala de género em termos sexuais) que é um filme perverso. Sim, porque é um filme que faz tudo o que não se pode fazer, ou que não se deve fazer.
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral
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