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— Qu’est-ce que c’est que cette histoire ?

Fui acompanhar um amigo à inauguração da exposição dedicada à Jean-Luc Godard. Conhecendo Serralves, as minhas expectativas já eram altas, mas a experiência superou tudo. Parecia uma cena saída dos livros de Thomas Bernhard: perfumes, penachos e vaidade generalizada. Mas nem me vou deter nisso, basta reler o Bernhard para compreender a coreografia. Por isso, em vez de crónica social, resolvi dedicar-me à gastronómica: o jantar em si mesmo. 

Foi no andar superior: uma sala ao fundo para as pessoas mais distintas e a da entrada para as restantes e serviço de copa. As mesas estavam atulhadas de velas como se fosse um velório (do cinema?) Os empregados moviam-se concentrados e nervosos (creio que havia alguém a supervisionar) para nos servirem sem serem notados — trabalhadores invisíveis é o objectivo das instituições culturais. 
Os nomes dos convidados estavam escritos num papelinho para não haver dúvidas do nosso lugar nem tentativas de subverter a ordem suprema (por acaso, quebrei as regras porque fiz-me passar por outra, e que outra!) Sobre um prato enorme (quarenta centímetros?) que nunca foi usado, repousava a ementa. Então não é que decidiram imprimir um auto-retrato de Godard na frente. Caramba, o que é que passa pela cabeça desta gente? Os mortos deviam mesmo formar um sindicato!

Começaram a servir o vinho e, na verdade, foi o vinho que salvou a noite (Morgado Sta. Catherina — com «h», pois claro! — um arinto de Bucelas que custa quase vinte euros a garrafa). Sopa (creme de espinafres baby com quenelle de mascarpone), conduto (posta de vitela com redução de tinto do Douro, mil folhas de batata e pak choi cozida a vapor) e sobremesa (tarte fina de maçã com creme inglês, toffee de caramelo e gelado artesanal de leite) eram monotonamente doces. Nem profundidade de sabores, nem sobressaltos, só aquela doçura enjoativa sem contraste que no fundo combinava com a circunstância. Segundo o Andy (que tem conhecimentos na matéria) um jantar de homenagem a Godard devia ser ovos e cerveja. Deixei quase tudo no prato, só me lembrava de Nino a responder torto ao tio, a dizer que não gostava de restaurantes. O Andy convocou Tati a fazer palhaçadas junto às esculturas do MoMA. Pois, quem me dera estar no Playtime e ter um guarda-chuva.

Para culminar, serviram vinho do Porto (que me disseram: «costuma ser bom em Serralves» — o que comprova que Serralves é um clube de habitués). Depois foi tudo muito rápido. Os da sala principal levantaram-se e percebemos que era o sinal geral para destroçar. O rancho tinha chegado ao fim.





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