Avançar para o conteúdo principal

O Príncipe Desencantado

AMADO: Olha. Agorinha, na Praça da Bandeira. Um rapaz foi atropelado. Estava juntinho de mim. Nessa distância. O fato é que caiu. Vinha um lotação raspando. Rente ao meio-fio. Apanha o cara. Em cheio. Joga longe. Há aquele bafafá. Corre pra cá, pra lá. O sujeito estava lá, estendido, morrendo.
CUNHA (
que parece beber as palavras do repórter): E daí?
AMADO (
valorizando o efeito culminante): De repente, um outro cara aparece, ajoelha-se no asfalto, ajoelha-se. Apanha a cabeça do atropelado e dá-lhe um beijo na boca.

O Beijo no Asfalto
, à boa maneira walseriana, começa com um acontecimento que é o avesso de um conto de fadas. Na Bela Adormecida, o Príncipe quebra o encanto e desperta a princesa do seu sono profundo – imagem da morte, diziam os antigos – com um beijo. Na peça de Nelson Rodrigues, o beijo que Arandir pousa na boca do rapaz atropelado sela a morte deste. Quem desperta de um indolente e tranquilo sono da existência é Arandir. O beijo dado ao moribundo, em pleno asfalto, lança o amável herói num mundo completamente novo: hostil, cruel, devastador. Arandir é o Princípe Desencantado.

Comentários