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Mensagens

O Socorro

Ele foi cavando, foi cavando, cavando, pois sua profissão - coveiro - era cavar. Mas, de repente, na distracção do ofício que amava, percebeu que cavara de mais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardas. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia mais um som humano, embora o cemitério estivesse cheio dos pipilos e coaxares naturais dos matos. Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria apareceu lá em cima, perguntou o que havia: «O que é que há?» O coveiro então gritou, desesperado: «Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!». «Mas coitado!» - condoeu-se o bêbado. - «Tem toda...

Próximo sábado, 4 de Outubro, pelas 17h00, no Gato Vadio.

Imagem da autoria de Luís Nobre, da dupla Lina & Nando .

Livro dos feitiços e encantamentos #13

PARA LER O “ULISSES” DE JAMES JOYCE INGREDIENTES: 1 círculo com quatro ondas (semelhante à tripla espiral celta) 3 palavras sensuais, mas de dureza marmórea 1 coisa mortal 1 coisa imortal 1 cartão azul 4 pauzinhos de madeira de balsa 1 tecido de veludo A pele de uma cobra 7 qualidades de azeite 7 folhas de peregil 1 lata de atum de conserva MODO DE FAZER: Dizer o nome dos doze meses ao contrário e acrescentar um décimo terceiro. Em seguida, beber de uma só vez um litro de água ao qual se tenha adicionado previamente piramidona, brometo, creosote, sena, ruibarbo, cafeína, quinino, diuretina, salsa e um prego. Correr, correr furiosamente até faltar o fôlego e sentir o espírito tão cansado como os músculos. Enfiar um murro na própria cara e cair morto (repetir três vezes). Executar o feitiço de preferência numa sexta-feira, na lua nova, invocando o nome de Santa Clara.

Um amor desgraçado

O jovem poeta estava enamorado de uma pequena, cheia de encantos. Mas, ai! aquela rapariga não o amava. Escreveu uns versos comovedores à fada dos seus sonhos, em que narrava a dor que despedaçava o seu coração de poeta. Publicou esses versos, e como lhos pagavam bem, vivia esplendidamente e satisfeito, fumava bons cigarros e a vida parecia-lhe bela. Por fim, a rapariga, emocionada por tantas lágrimas e dores, começou a amar o poeta. - Que vai ser de mim! - exclamou este ao saber aquela notícia. - De que viverei eu, no futuro? Jenö Heltai, Contos alegres húngaros . Tradução de Armando Ferreira e Andrés Revesz.

Biografias breves de autores famosos #3

Sophie Znachonak (1873-1949) A autora de “Piruetas de elfos no cinzento frio e longo da manhã”, que soube manter durante a ocupação alemã a firmeza e lucidez do seu espírito brilhantíssimo, foi escritora, jornalista e professora do Instituto Académico. O seu estilo caracteriza-se por um tom calmo, pachorrento e sóbrio em advérbios, resolvido a não ofender as digestões com movimentos demasiado vigorosos, mas também pontuado, aqui e ali, por pequenas rajadas de zombaria. Entre os seus romances, avultam: “Extinguiu-se o clamor dos ventos e caiu a tarde”, “A noite tem os seus perigos, como tem a sua beleza” e “Tão picante como um alfinete”. Este último inacabado e que ressoou em todo o mundo com o barulho só próprio dos grandes sucessos literários. Segundo o seu biógrafo e amigo Denis Wachowicz, as suas últimas palavras foram: “As coisas que as pessoas não inventam…”
Quem pretende estar falando da morte verdadeira – e hoje são muitos a pretendê-lo – não fala a sério ou não sabe o que diz, porque a morte é, antes de tudo, a impossibilidade de voltar e, seja como for, não há lugar, nela, para nós. Giorgio Agamben.

Tragédia brasileira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa, prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em de...

Biografias breves de autores famosos #2

Massimo Panzini (1825-1904) Massimo Panzini é o romancista, dramaturgo e jornalista mais representativo da Itália oitocentista. A sua obra é vastíssima e inclui novelas, poesias, peças, discursos, romances, contos, ensaios historiográficos, e nela é fácil encontrar um humor sadio e tranquilo, quase romântico, mas também a filosofia e o sabor amargo e cruel da realidade. Entre os seus livros mais importantes, contam-se “O cinto de castidade”, “Minha, tua, sua”, “Porco aqui, porco acolá”, “o cão que fala” e “A mulher loiríssima”. Aos 17 anos foi premiado pelo romance “O meu irmão de leite”. O seu estilo e inesgotável imaginação, simples, primitiva e de carácter oriental, dão-lhe características muito particulares no panorama literário italiano. Se se reunisse todo o champanhe que bebeu ao longo da vida criar-se-ia outro Mississípi e se se juntasse a cinza de tudo o que fumou pensar-se-ia que era o Vesúvio.

Mentira

A literatura, isto é, a vida, pode trair tudo, mas há uma coisa a que será sempre fiel: a mentira. A mentira é a única verdade que existe. É o que nos salva da anulação total. A luz solitária na noite escura. Graças à mentira, sabemos coisas secretas, misteriosas, que não parecia possível alguma vez sabermos, como seja as artes sombrias de Tchíchikov. Ou as extraordinárias digressões de Dom Quixote. Foi por causa da mentira que se inventaram as palavras. As palavras foram criadas para podermos mentir melhor. Que desperdício as palavras usadas para outros fins que não seja mentir. Kafka ponderou a questão e definiu-a genialmente: “O tempo que nos é concedido é tão breve que, se perdermos um segundo sem mentir, já teremos perdido toda a nossa vida.” A mesma mentira pode ser contada de muitas maneiras diferentes, dependendo do estilo, da imaginação e do talento de cada um. No entanto, nem tudo o que se conta é tocado pelo sopro da verdadeira beleza, nem tudo consegue superar a prova do ...

Biografias breves de autores famosos #1

Zoltán Rákosi (1861-?) Escritor fecundo e de refinado gosto, com estadia prolongada em Paris a cursar a Sorbonne e o Colégio de França. Escreveu uma multitude de contos e ensaios literários, e cinco grandes novelas. Em 1922 era director do Teatro Nacional de Budapeste. De um humor vivo, cintilante, sempre cheio de observação e graça. Sofria de herpes labial.

M. de Milgueta

Muitos escritores usam iniciais para nomear as personagens das suas histórias. É uma técnica clássica. M. apaixona-se por L., mas L. está mais interessado no Pato à l'Albigeoise de B. Numa suite de hotel, A. tem relações íntimas com D., enquanto no quarto ao lado, com vista para o jardim, W observa Z. a esconder o cadáver de F. Alguns dos melhores autores da literatura universal serviram-se largamente deste recurso. O objectivo, está bem de ver, é preservar a identidade das personagens. É nisso que os escritores querem que acreditemos. A verdade, porém, é outra e o motivo para o uso das iniciais é bem mais prosaico. A verdade é que muitos autores têm uma tendência incontrolável para criar personagens com nomes que devem muito pouco à dignidade literária, digamos assim. E os que têm consciência disso, disfarçam essa tendência usando apenas as iniciais. O romancista Franklin De Brosses usou repetidamente esta técnica. Quem não se emocionou com a incrível história de amor entre A. e...

Sábado, 20, 19h00

No próximo sábado, 20 de Setembro, pelas 19h00, Os Anacronistas vão estar no Festival de Spoken Word , no âmbito do programa da Feira do Livro do Porto 2014. O espectáculo terá lugar no Auditório da Biblioteca Almeida Garrett e, como sempre, haverá biscoitos e bolinhos quentes. A imagem é da autoria dos Lina&Nando .

História completa do nosso amor

Sempre acontecem coisas muito surpreendentes neste mundo. Coisas tão estranhas e inexplicáveis que (...). Mas talvez não sejam assim tão estranhas. Em abono disso poderia citar Aristófanes, Horácio, Luciano de Samósata, e alguns mais. Tudo isto vem também explicado num livro que o leitor bem conhece e que me dispensará portanto de lembrar. Um livro, de resto, com grande abundância de suspiros e ais, como convém a tudo o que brota da literatura séria, solene e (…). Vou descrever os factos na sua simplicidade, deixando ao leitor o encargo de formular um juízo. Pois muito bem, fosse porque (…) ou por qualquer outro motivo, o certo é que (…). Ninguém sabe de quem partiu a ideia. Eu estou convencido de que partiu dele. Mas (e é um mas muito importante) talvez seja apenas a minha imaginação (…). Ela não disse nada. Trincou o lábio inferior e deixou as coisas neste ponto. (…) A noite ia amadurecendo, cheia de segredos. Quando ele voltou para casa, o sangue corria-lhe em tumulto por baixo da...
Outra constatação a que chegam é que erros gramaticais apontados no francês dos “Cantos [de Maldoror]”, por críticos antigos, em espanhol são considerados usuais e corretos, justificando-se pelo fato de o autor estar entre línguas. O bilinguismo do poeta seria assim causa de erros e êxitos, pois foi “essa condição que lhe permitiu inovar na língua francesa com mais liberdade do que aqueles que nunca saíram dela”. Leonardo Fróes.
«Hace mucho tiempo, cuando era un estudiante, Robert Frost dio una lectura de poesía en Harvard. Después de leer el poema, uno de los estudiantes le preguntó: «¿Cuál es el significado de ese poema?». Frost estaba sentado, y de repente se puso de pie y dijo: «Simplemente leé el poema de nuevo». Buenos Aires Poetry 2.
Zephyrus Image.