Boniface desejava ganhar asas e voar. Um desejo que, obviamente, não tem nada de extraordinário. Em toda a parte há gente que gostaria de voar, mas não como ele. Boniface estava possuído por aquela ideia. A obsessão era tão completa que, no seu pensamento, não restava espaço para mais nada. E tanto desejou voar que em Março de mil novecentos e cinquenta e três, pof , transformou-se em nada menos do que uma asa. Vejam como são as coisas. Uma asa imensa. A mais bela asa do mundo. Tão bela quanto superlativa e brilhante. Não havia ave cuja inveja ela não excitasse. Nem nos seus sonhos mais loucos isto lhe passara pela cabeça. Pois muito bem. Agora, uma pergunta: o que podia ele fazer sendo apenas uma asa? Apesar das longas penas douradas com raros toques de púrpura azul ou violeta, lamento dizê-lo, uma asa não chega para voar. Boniface viu subitamente o caso descarrilar. Oh, não, não, não, dez mil vezes não! Cheio de arrependimento – pobrezinho! –, pensava na vida segura e sem imprevistos...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral