A primeira vez que aconteceu foi na noite da estreia. O actor Sascha Ziegelböck ficou tão perturbado com o caso que não dormiu até de manhã. Na noite seguinte, tudo se repetiu, exactamente como na anterior: subiu ao palco, fez alguns gestos ensaiados e começou a dizer o texto, na sua lúgubre, gutural e monótona voz de bode. Um mar de ais e gritinhos varreu então a sala em ondas sucessivas. Uma após outra, as palavras do actor abriam feridas nos corpos dos espectadores. Ninguém escapou ileso. Depois, aplausos. Aplausos e mais aplausos. Os mais insistentes e vigorosos que ouvira em toda a carreira*. Nessa noite, houve quem saísse do teatro meio morto, mas muito satisfeito. Nos dias que se seguiram, os espectáculos esgotaram. A mesma coisa: Sascha começava a dizer o texto e, acto contínuo, as palavras abatiam-se sobre os corpos com uma fúria descontrolada, abrindo golpes, arrancando carne, partindo ossos e, claro está, provocando desmaios, muitos desmaios. Lamentavelmente, não sou capaz...
de Cristina Fernandes e Rui Manuel Amaral