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Escolha

Dois filmes recentes: Martin Eden, de Pietro Marcello, e A verdade, de Hirokazu Kore-eda. Ambos giram em torno de personagens que, de uma maneira ou de outra, trocaram a vida pela arte. Um escritor e uma actriz. Tudo é sacrificado pelo desejo de alcançar uma suposta perfeição artística. Mas, tal como no Fausto, e com a dose certa de moralismo, o preço do sucesso é sempre demasiado elevado: loucura, solidão, autodestruição.
No extremo oposto, está o «doutor», personagem do conto O visitante da noite, de B. Traven. Um escritor que vive isolado na floresta tropical e que escreve para um único leitor: ele próprio. Todo o prazer da criação está contido unicamente no acto da escrita: «Sempre que concluía um livro, relia-o, corrigia-o, introduzia-lhe as alterações que julgava essenciais para o tornar perfeito, o mais próximo possível da minha ideia de perfeição, e, feito isto, sentia-me feliz, plenamente preenchido. Logo a seguir destruía o livro...»
Escrevi que o «doutor» está no «extremo oposto» dos personagens daqueles filmes. Mas haverá uma tão grande diferença? Não há em cada um deles um gesto radical que muito poucos estão dispostos a assumir? Até onde essa escolha pode conduzir uma pessoa? E não é essa a verdadeira definição de artista?

Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio.
Clarice Lispector, Um sopro de vida, 1978.

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