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Condomínio fechado

[A propósito de Três Andares, de Nanni Moretti.]

Engenheiros, arquitectos, académicos, advogados, juízes do Primeiro Mundo consumidos, em lume brando, pelo tédio. Um tédio branco, higiénico, educado. Um odor a anestésico a flutuar por todo o lado. As casas não são casas, os prédios não são prédios, mas armazéns em zonas nobres onde a solidão engendra monstros. Aquários de água tépida com peixinhos dourados que se mordem uns aos outros porque não há mais nada para fazer. Nanni Moretti aproxima-se de Michael Haneke. Ou talvez Heneke tenha estado este tempo todo à espera de Moretti.

Comentários

c disse…
Podem olhar os dois para as mesmas pessoas e lugares empedernidos, mas os olhares são tão diferentes.
Nanni Moretti filma as histórias (excessivamente?) dramáticas de Três Andares com honestidade e delicadeza. E nem tudo vai nessa corrente do drama. As mulheres, até as mais jovens, revelam uma capacidade enorme de adaptação, de mudança — parecem juncos. O vestido com flores de Dora, a confissão de Charlotte ou a cena da dança na rua marcam bem essa determinação, são pontos de fuga. E o filme tem três bebés — não me lembro de ver um filme com tantos bebés.

Não, não concordo que Moretti se aproxime de Haneke. Moretti é um velho triste (mas a vida é quase sempre tão triste, apercebemo-nos com a idade) mas não é cínico. Continua a acreditar que a dança salva :)
Acho que tens razão, Cristina. As mulheres parecem representar esse ponto de fuga de que falas. Embora as miúdas escapem para Paris e Madrid. Será um mundo assim tão diferente do seu mundo em Roma?
Mas, sim, compreendo o que dizes. E há uma coisa curiosa: na caracterização, apenas os homens envelhecem e ganham brancas...
Não sei, foi a impressão com que fiquei. Pareceu-me um filme possível do Haneke filmado pelo Moretti. Talvez o pessimismo seja apenas meu. Admito isso.
c disse…
Não, Paris, Madrid ou Barcelona é a mesma coisa. E ninguém escapa à solidão, que é o grande problema das personagens do filme. Mas no filme de Moretti (e talvez também na realidade) as mulheres não aceitam a derrota facilmente, mexem-se, fazem tentativas.

Mas o que queria refutar era essa ligação entre os dois cineastas. Já não vejo filmes do Haneke há muito tempo, e deixei de ver porque o acho cínico e manipulador. Moretti não. Moretti é um homem bom, do ponto de vista ético. E isso vê-se se no filme. O pessimismo dele está cheio de brechas — o ar circula.
Compreendo e acho que tens razão. Mas fiquei com a sensação de que este filme (maravilhoso) de Moretti estava muito próximo do último filme de Haneke, "Happy End". Seja como for, o Haneke (de que gosto) trabalha numa espécie de círculo vicioso impossível de romper, e neste Moretti, apesar de tudo, "o ar circula", como dizes. A sequência do baile na rua, sim... Tens razão.