[A propósito de Três Andares, de Nanni Moretti.]
Engenheiros, arquitectos, académicos, advogados, juízes do Primeiro Mundo consumidos, em lume brando, pelo tédio. Um tédio branco, higiénico, educado. Um odor a anestésico a flutuar por todo o lado. As casas não são casas, os prédios não são prédios, mas armazéns em zonas nobres onde a solidão engendra monstros. Aquários de água tépida com peixinhos dourados que se mordem uns aos outros porque não há mais nada para fazer. Nanni Moretti aproxima-se de Michael Haneke. Ou talvez Heneke tenha estado este tempo todo à espera de Moretti.
Engenheiros, arquitectos, académicos, advogados, juízes do Primeiro Mundo consumidos, em lume brando, pelo tédio. Um tédio branco, higiénico, educado. Um odor a anestésico a flutuar por todo o lado. As casas não são casas, os prédios não são prédios, mas armazéns em zonas nobres onde a solidão engendra monstros. Aquários de água tépida com peixinhos dourados que se mordem uns aos outros porque não há mais nada para fazer. Nanni Moretti aproxima-se de Michael Haneke. Ou talvez Heneke tenha estado este tempo todo à espera de Moretti.
Comentários
Nanni Moretti filma as histórias (excessivamente?) dramáticas de Três Andares com honestidade e delicadeza. E nem tudo vai nessa corrente do drama. As mulheres, até as mais jovens, revelam uma capacidade enorme de adaptação, de mudança — parecem juncos. O vestido com flores de Dora, a confissão de Charlotte ou a cena da dança na rua marcam bem essa determinação, são pontos de fuga. E o filme tem três bebés — não me lembro de ver um filme com tantos bebés.
Não, não concordo que Moretti se aproxime de Haneke. Moretti é um velho triste (mas a vida é quase sempre tão triste, apercebemo-nos com a idade) mas não é cínico. Continua a acreditar que a dança salva :)
Mas, sim, compreendo o que dizes. E há uma coisa curiosa: na caracterização, apenas os homens envelhecem e ganham brancas...
Não sei, foi a impressão com que fiquei. Pareceu-me um filme possível do Haneke filmado pelo Moretti. Talvez o pessimismo seja apenas meu. Admito isso.
Mas o que queria refutar era essa ligação entre os dois cineastas. Já não vejo filmes do Haneke há muito tempo, e deixei de ver porque o acho cínico e manipulador. Moretti não. Moretti é um homem bom, do ponto de vista ético. E isso vê-se se no filme. O pessimismo dele está cheio de brechas — o ar circula.