Sempre que vejo Francisca, fico impressionada com a sua irreverência. Descubro tantas coisas novas que até parece que estou a ver um filme desconhecido — feito no futuro, talvez. Ontem à tarde, anotei isto:
A presença constante do vento — de uma ponta à outra, fora ou dentro de casa, o vento é quase uma personagem.
A forma insidiosa como as personagens se dirigem a nós — parece que estamos num julgamento, mas não conseguimos perceber se somos juizes ou julgados, ou ambos.
A utilização da música contra o desenrolar da história. Faz lembrar Renoir quando dizia: «Por que raio é que, numa cena de amor em que o actor diz à actriz «je t’aime», a música também há‑de dizer «je t’aime»? Porque é que a música não diz «estou‑me nas tintas para ti».
Mas o que mais me espantou foi o modo com Manoel de Oliveira pegou no romance de Agustina Bessa-Luís (escrito para cinema, é certo, com muitos diálogos, alguns deles colagens documentais) e, alterando-lhe o ritmo e criando um distanciamento às características romanescas (também a contrapelo das personagens principais que sofrem de excesso de literatura), o transformou numa sequência de aforismos incisivos. Não conheço nenhum realizador que tenha conseguido esta proeza.
Comentários
Mas também me acontece isso com outros filmes, ver outras coisas, que pareciam "estar escondidas".
E gosto muito do Manoel, por tudo (até pela lentidão poética de alguns dos seus filmes...).
Agora que há copias digitais, devia ser mais fácil ver estes filmes, mas não é.
Aqui estão a passar na Casa de Cinema Manoel de Oliveira (em Serralves).
A sala não é lá grande coisa e é pequena, mas o bilhete é barato e mesmo assim tem sempre muitos lugares vazios.
No dia 22, vai ser projectado «Le soulier de satin», 406 minutos.
Tens aqui o programa:
https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2403_postal_moliberdade_v4-1.pdf