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Vivemos dilacerados, à procura dos nossos corpos dispersos pela terra inteira.

Sempre que vejo Francisca, fico impressionada com a sua irreverência. Descubro tantas coisas novas que até parece que estou a ver um filme desconhecido — feito no futuro, talvez. Ontem à tarde, anotei isto:

A presença constante do vento — de uma ponta à outra, fora ou dentro de casa, o vento é quase uma personagem.

A forma insidiosa como as personagens se dirigem a nós — parece que estamos num julgamento, mas não conseguimos perceber se somos juizes ou julgados, ou ambos.

A utilização da música contra o desenrolar da história. Faz lembrar Renoir quando dizia: «Por que raio é que, numa cena de amor em que o actor diz à actriz «je t’aime», a música também há‑de dizer «je t’aime»? Porque é que a música não diz «estou‑me nas tintas para ti».

Mas o que mais me espantou foi o modo com Manoel de Oliveira pegou no romance de Agustina Bessa-Luís (escrito para cinema, é certo, com muitos diálogos, alguns deles colagens documentais) e, alterando-lhe o ritmo e criando um distanciamento às características romanescas (também a contrapelo das personagens principais que sofrem de excesso de literatura), o transformou numa sequência de aforismos incisivos. Não conheço nenhum realizador que tenha conseguido esta proeza.

Comentários

Luis Eme disse…
Fiquei com vontade de regressar à "Francisca" (que vi há mais de vinte, trinta anos?). Não me dei ao trabalho de ver a data...

Mas também me acontece isso com outros filmes, ver outras coisas, que pareciam "estar escondidas".

E gosto muito do Manoel, por tudo (até pela lentidão poética de alguns dos seus filmes...).
c disse…
Olá, Luis.

Agora que há copias digitais, devia ser mais fácil ver estes filmes, mas não é.

Aqui estão a passar na Casa de Cinema Manoel de Oliveira (em Serralves).
A sala não é lá grande coisa e é pequena, mas o bilhete é barato e mesmo assim tem sempre muitos lugares vazios.

No dia 22, vai ser projectado «Le soulier de satin», 406 minutos.

Tens aqui o programa:
https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2403_postal_moliberdade_v4-1.pdf